sexta-feira, abril 10

Pingos no balde

Todo dia ela gasta duas horas regando as plantas. Quinze minutos bastariam. Conversa com cada uma delas, enquanto cuida para que a água se derrame devagar, quase gota a gota. Usa uma jarra de vidro. Parece-lhe adequada. Enche-a várias vezes e, ao enchê-la, para não parecer que privilegia as plantas, conversa com ela, e também com a água e com a torneira. Tudo que faz é assim, com amor. A mãe já lhe dizia, quando ela era menina, que esse temperamento a faria sofrer muito. Ela não se vê como uma sofredora. A irmã diz que ela é mais do que isso, é uma sonsa. É isso que ela pergunta agora à pitangueira: você me acha sonsa, minha querida? A pitangueira não responde. É uma pergunta que faz todos os dias. Nenhuma planta responderá. Todas gostam dela, todas a amam, justamente por ela ser assim bobinha, assim boazinha, assim sonsa.

Ela andava com rapazes promissores: futuros poetas, cineastas, pintores. Todos pobres, infelizmente. Um dia, assim do nada, casou-se com um milionário quarenta anos mais velho. Começavam aí décadas de comovente mecenato. Ela teve oito filhos, curiosamente diversos – e todos artisticamente bem-dotados.

O amor me diz que nada do que vem de mim é presente, é tudo passado e embolorado.

Porque amo demais, Deus castigar-me-á com uma mesóclise daquelas.

Se eu fosse mulher, viveria para flagelar os poetas. É isso que eles querem, para libertar o pardal que têm no peito e chamam ora de cotovia ora de violino.

Se você sofreu por amor e ainda está vivo, desculpe: você é um farsante.

Se você é um desses viventes que andam por aí, sinto muito. Não tem papo. Só respeito os mortos, e não todos. Só os que morreram de amor.

Sou levemente vegetariano, fracamente concupiscente, ligeiramente surdo, compreensivelmente apolítico, tolerantemente antirreligioso, tolamente sentimental e totalmente idiota.

Entre tantas outras coisas, Vinícius de Moraes era um poeta envelhecido em tonéis de carvalho.

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