Há quem lhe chame, por brincadeira, besta célere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por média) desse produto cultural (agora é tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-selleré um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender - muito e depressa - que o best-seller é construído com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exatamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantíssimos, nem vale a pena enumerá-los. Convém não confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-sellertem, em relação aos livros "normais", uma característica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeão de vendas. A sua razão de ser é essa e só essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sério, que «o resto é literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como "Love Story" ou "O Aeroporto". Não estou a pensar em tops de venda como "O Nome da Rosa" ou "Memórias de Adriano", estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e, muitas vezes extrínsecas à sua própria leitura, conheceram grandes êxitos de venda, o que é bastante diferente. Enquanto o best-seller é esquemático, quer dizer, não comporta mais do que o necessário, em termos de ingredientes, para comover (ou motivar, como é costume dizer-se) os simplórios, o livro «normal» nem pensa nisso. Nascido de uma necessidade interior, o livro "normal" chega ao leitor de dentro para fora. O best-seller é exatamente construído ao contrário: chega de fora para dentro ou, até de fora para fora, visto que a sua penetração no leitor não é nenhuma, ao passo que a sua propagação é imensa.
Habitualmente, o best-seller, ao fim de alguns anos, está esquecido ou, então, foi posto em cinema ou em TV e será, durante uns tempos, ainda lembrado, quase nunca em termos de literatura, que não é, mas apenas de história. O cinema ou a TV não podiam senão tornar ainda mais liso o que liso e correntio era.
Editores com o sentido da oportunidade aproveitam, então, para lançar ou desenterrar tiragens. que às vezes se vendem, outras não, mas sempre com a inevitável cinta: Um grande sucesso agora no cinema (ou na TV). Alimentam, deste modo, curiosidades menores do público: saber com antecipação o que vai acontecer (caso das séries televisivas, aliás «adiantadas» na Imprensa diária e semanal) ou ver até que ponto o cinema respeitou ou não respeitou a história original.
O best-seller é feito a pensar num leitor «espremido» por computador e serve a esse leitor tanto quanto lhe pode servir qualquer objecto de conforto. É um típico produto da chamada indústria cultural. Toma, exteriormente, a forma de livro para melhor se confundir com os verdadeiros livros. É uma espécie de ornamento (do espírito, da estante ou do caixote do lixo...) e cumpre, quase sempre, o seu papel, virada a última folha.
O best-seller pode ser preparado com muita habilidade e, para os desprevenidos, constituir, até, uma obra de qualidade. A propaganda fará o resto. Mas isso será só ilusão. O best-seller tem a qualidade apenas necessária para não comprometer a quantidade que alcançou ou deseja alcançar. Esse é o seu verdadeiro objectivo: quantidade e mais quantidade.
Hoje, que a literatura integra áreas cada vez mais vastas, uma há que não poderá integrar, a do best-seller, sob pena de se transformar no contrário de si mesma: o fabrico e o consumo de um produto que por acaso se chama livro.
Alexandre O'Neill (1924 - 1986 )
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