Susan Brabeau
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"Quase ninguém é indiferente ao apelo à viagem. E quase toda a gente inveja Ulisses, que, se não fez, exactamente, uma boa viagem, como canta Du Bellay, perpetrou, pelo menos, uma longuíssima e acidentada odisseia de retorno.Heureux qui comme Ulysse, a fait un bom voyage.Du Bellay
Há gostos para tudo. Du Bellay invejava Ulisses. Gide torcia o nariz à odisseia do grego, porque, no fim da viagem, esperava-o Penépole, que, para sempre, o iria amarrar ao lar. Exaltava, em contrapartida, Sindbad, o das Mil e Uma Noites, por ser livre como um passarinho: no fim da viagem, esperava-o, não uma amarra, mas uma nova viagem. Para Gide, também, uma viagem era apenas o prefácio à viagem seguinte, em contraste com a de Ulisses, que não passou de uma obrigatória navegação de regresso. Gide tinha igualmente um lar à espera, em Cuverville, mas fazia de conta que não dava por isso, e traiu, tanto quanto pôde – e sem complacências – a sua fiel Penélope que, para o caso, se chamava Madeleine. O que ele queria, está-se a ver, era copiar, com “gusto” e mesmo frenesi, o fluir libérrimo do marinheiro Sindbad.
Viajar tem boa e tem má imprensa. Há quem elogie, há quem diga mal e há quem, simplesmente, se aborreça. O actor e escritor Al Boliska propôs uma definição célebre que hoje anda citada por todo o lado: “Viajar de avião”, disse ele, “são horas de tédio interrompidas por puro terror.” Ainda assim, Boliska só critica o viajar de avião, não todo o viajar. Mas há quem demita qualquer espécie de viagem. O conhecido romancista Paul Theroux, com obra assinalável transposta para o cinema, observava que “viajar só é glamoroso em retrospecto”, isto é, só funciona depois de terminada a viagem, ao contá-la, ao serão, aos amigos. William Trevor dizia o mesmo, de outra maneira: “Ele só viajava para poder voltar para casa”, isto é, o melhor da viagem era o regresso. Nem Ulisses foi tão longe: suspeito que gostou mais da ida do que da volta…
De entre os demolidores do mito da viagem, citarei o talvez mais antigo (será?): Sócrates, que disse, imaginem, esta barbaridade: “Vê um promontório, uma montanha, um mar, um rio e viste tudo.” Como se não houvesse rios e rios, promontórios e promontórios, cidades e cidades! Quem pode ser de opinião que o Amazonas é o mesmo que qualquer pífio afluente de um rio de trazer por casa… Quem pode afirmar que ver Leiria é o mesmo que ver Paris ou Veneza! Ou como se Florença fosse o mesmo que Alguidares de Baixo! Ou como se o Iguaçu não diferisse grande coisa das pindéricas “cascatas” da Namaacha, da minha saudosa infância africana!
Claro que é preciso saber viajar, saber ver e, sobretudo, gostar de ver. Viajar por viajar é inútil e fica caro. Como dizia o outro, não vale a pena dar a volta ao mundo só para contar o número de gatos que há em Zanzibar.(…)
Viajar – o convite à viagem! Há quem proteste em termos paradoxais: “É pena”, dizia Chesterton, “as pessoas viajarem por países estrangeiros; estreita-lhes de tal maneira o espírito.” Sterne, no seu imenso Tristram Shandy, não vai tão longe, mas faz uma recomendação: “Um homem deve também conhecer alguma coisa do seu próprio país, antes de ir para o estrangeiro.”(...)
“Viajar é quase como falar com homens de outros séculos”, dizia Descartes. (...)”
Eugénio Lisboa
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