Estávamos conversando sobre livros, e eu havia acabado de dizer que estava pensando em recomendar aqui o que havia acabado de ler, “O homem de Beijing”, de Henning Mankell. Sou muito, muito fã de Mankell, o criador de Wallander, um dos meus detetives favoritos, e gosto do que ele escreve mesmo quando não gosto. “O homem de Beijing” cai nessa categoria: parte da ação serve de desculpa para longas tiradas contra o imperialismo ocidental e contra a ameaça do capitalismo apocalíptico chinês, há furos incômodos na trama e situações altamente implausíveis, mas a história é tão interessante que é impossível parar de ler.
Darren Thompson |
— Você já leu “Stoner”, de John Williams? — perguntou a Laurinha.
Não, não havia lido.
— Está aqui — disse ela, me entregando um lindo livro de capa dura, com um elogio de Ian McEwan na contracapa. — Melhor livro que eu leio em muito tempo.
Levo a sério recomendações de livreiros, que ocupam um lugar privilegiado: eles têm acesso a todos os livros, e percebem o seu ir e vir como ninguém. Agarrei-me com “Stoner” assim que cheguei em casa, e não consegui ir dormir antes de atravessar as suas 314 páginas. Depois reli tudo com calma, pensando e repensando o que lia, como deve ser. Laurinha Gasparian tem razão: é um dos melhores livros dos últimos tempos.
Lançado sem muita repercussão em 1965, mas conquistando um público pequeno e fiel ao longo dos anos, ele foi relançado em 2003, quase dez anos após a morte do autor; em 2011, a partir de uma edição francesa, tornou-se um inesperado best-seller.
O primeiro parágrafo do livro entrega a vida e a morte do seu protagonista, um professor universitário sem grande brilho; o segundo confirma a mediocridade da sua existência. Os dois são um convite improvável à leitura das próximas páginas — mas, num mundo que gira em função de super-heróis e de celebridades insuportavelmente bem-sucedidas, é um alívio encontrar enfim uma vida comum, tributável, cotidiana.
William Stoner, filho de fazendeiros, descobre a literatura numa aula de inglês, e se apaixona para todo o sempre. No processo, descobre as emoções de uma alma que ignorava, e nunca mais volta para o campo. Torna-se professor na mesma universidade em que estudou, buscando no mundo acadêmico uma ilha de paz e de virtudes isolada da realidade exterior. Faz um casamento desastroso, é infernizado pelo chefe do departamento, tem uma filha que herda a sua solidão. Sua vida é redimida pelo trabalho, pelo amor ao ensino e pela beleza das palavras.
Sentimos uma simpatia profunda por ele, mas essa simpatia esbarra na resignação com que reage às contrariedades, ainda que ela não seja estranha a nenhum de nós. A força de “Stoner” vem desse reflexo tão humano das nossas próprias vidas, dos nossos próprios embates, e das desilusões que ninguém posta no Instagram.
Leia mais o artigo de Cora Rónai
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