Estava na sala diante do doutor. Uma sala branca, anônima. Por que são sempre assim, derrotando a gente logo de entrada?
O médico:
– Sim?
– Quero me operar. Quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro.
– Um pedaço do cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro?
– Porque eu quero.
– Sim, mas precisa me explicar. Justificar.
– Não basta eu querer?
– Claro que não.
– Não sou dono do meu corpo?
– Em termos.
– Como em termos?
– Bem, o senhor é e não é. Há certas coisas que o senhor está impedido de fazer. Ou melhor; eu é que estou impedido de fazer no senhor.
– Quem impede?
– A ética, a lei.
– A sua ética manda também no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero fazer do meu corpo aquilo que desejo. E se acabou.
– Olha, a gente vai ficar o dia inteiro nesta discussão boba. E não tenho tempo a perder. Por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro?
– Para quê?
– Gozado, as pessoas só sabem perguntar: o quê? por quê? para quê? Falei com dezenas de pessoas e todos me perguntaram: por quê? Não podem aceitar pura e simplesmente alguém que deseja eliminar a memória.
– Já que o senhor veio a mim para fazer esta operação, tenho ao menos o direito dessa informação.
– Não quero mais lembrar de nada. Só isso. As coisas passaram, passaram. Fim!
– Não é tão simples assim. Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para lembrar pequenas coisas. Ou grandes. Compromissos, encontros, coisas a pagar.
– É tudo isso que vou eliminar. Marco numa agenda, olho ali e pronto.
– Não dá para fazer isso, de qualquer modo. A medicina não está tão adiantada assim.
– Em lugar nenhum posso eliminar a minha memória?
– Que eu saiba não.
– Seria muito melhor para os homens. O dia a dia. O dia de hoje para a frente. Entende o que eu quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa, nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente bloqueado. Não seria engraçado? Não se lembrar sequer do que se tomou no café da manhã? E para que quero me lembrar do que tomei no café da manhã?
– Se todo mundo fizesse isso, acabaria a história.
– E quem quer saber de história?
– Imaginou o mundo?
– Feliz, tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente.
– Não seria bem assim. Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada mais. Cada segundo eliminado. A sua existência comprovada através de quê?
– Quem quer comprovar a existência?
– A gente precisa.
– Para quê?
O médico pensou. Não conseguiu responder. O homem tinha-o deixado totalmente confuso. Pediu ao homem que voltasse outro dia. Despediram-se. O médico subiu para os brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações. Chamou um amigo.
– Estou pensando em tirar um pedaço do meu cérbro. Eliminar a memória. O que você acha?
– Muito boa ideia. Por que não pensamos nisto antes? Opero você e depois você me opera. Também quero.
– Não sou dono do meu corpo?
– Em termos.
– Como em termos?
– Bem, o senhor é e não é. Há certas coisas que o senhor está impedido de fazer. Ou melhor; eu é que estou impedido de fazer no senhor.
– Quem impede?
– A ética, a lei.
– A sua ética manda também no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero fazer do meu corpo aquilo que desejo. E se acabou.
– Olha, a gente vai ficar o dia inteiro nesta discussão boba. E não tenho tempo a perder. Por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro?
– Para quê?
– Gozado, as pessoas só sabem perguntar: o quê? por quê? para quê? Falei com dezenas de pessoas e todos me perguntaram: por quê? Não podem aceitar pura e simplesmente alguém que deseja eliminar a memória.
– Já que o senhor veio a mim para fazer esta operação, tenho ao menos o direito dessa informação.
– Não quero mais lembrar de nada. Só isso. As coisas passaram, passaram. Fim!
– Não é tão simples assim. Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para lembrar pequenas coisas. Ou grandes. Compromissos, encontros, coisas a pagar.
– É tudo isso que vou eliminar. Marco numa agenda, olho ali e pronto.
– Não dá para fazer isso, de qualquer modo. A medicina não está tão adiantada assim.
– Em lugar nenhum posso eliminar a minha memória?
– Que eu saiba não.
– Seria muito melhor para os homens. O dia a dia. O dia de hoje para a frente. Entende o que eu quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa, nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente bloqueado. Não seria engraçado? Não se lembrar sequer do que se tomou no café da manhã? E para que quero me lembrar do que tomei no café da manhã?
– Se todo mundo fizesse isso, acabaria a história.
– E quem quer saber de história?
– Imaginou o mundo?
– Feliz, tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente.
– Não seria bem assim. Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada mais. Cada segundo eliminado. A sua existência comprovada através de quê?
– Quem quer comprovar a existência?
– A gente precisa.
– Para quê?
O médico pensou. Não conseguiu responder. O homem tinha-o deixado totalmente confuso. Pediu ao homem que voltasse outro dia. Despediram-se. O médico subiu para os brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações. Chamou um amigo.
– Estou pensando em tirar um pedaço do meu cérbro. Eliminar a memória. O que você acha?
– Muito boa ideia. Por que não pensamos nisto antes? Opero você e depois você me opera. Também quero.
Ignácio de Loyola Brandão
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