Quando essas ideias surgem, ainda mais na internet, a tendência prevalecente é desconsiderar a realidade. No caso, vê-se isso claramente. Em muitos comentários e posts que li, era como se estivesse escrito: “Ah, esses facínoras que trabalham como editores, não veem o desserviço que prestam com uma atitude desprezível como essa!...” E dá-lhe indiciamento no mundo virtual pelo “crime de usura” representado pela atividade empreendedora... “Essa sanha capitalista dos editores, eles não aprendem!”... Falarei mais a respeito dessa imagem distorcida dos editores dentre alguns incautos em futuro artigo. O fato é que qualquer ideia passível de execução no mundo real padece de um problema: seu custo.
Armazenagem: muitos dos que pedem doações não querem esse ônus por falta de espaço; dadas as quantidades envolvidas, preferem receber em partes. Claro, quem não gostaria?! Agora, quem vai arcar com isso? E, quando se armazena grandes volumes de um encalhe, é necessário encontrar muita gente disposta a receber doações. Ou alguém imagina enviar 20 mil exemplares de um título para uma biblioteca escolar no interior de Roraima?!... Ou seja, se há livros demais, geralmente há gente de menos interessada e que não os quer nem de graça.
Manuseio: o envio exige separação, contagem etc.. Pessoas fazem isso. E quem as paga?
Embalagem: o que for enviado tem de ser devidamente embalado. Embalagens custam. E também são pessoas que cuidam do processo. Logo, é preciso custeá-lo.
Frete: nem preciso dizer o quanto é caro. Se alguém quiser o livro em Manaus, Belém, São Luís e outras praças, para uma editora sediada no Sul, Sudeste ou Centro-Oeste, nem se fala. E quem paga? Já estou esperando muitos dizerem: “Mas é uma doação! Que absurdo cobrar o frete! Tem de ser de graça, senão não é doação!”... É tão bom fazer festa com o chapéu alheio, não é mesmo?!...Voltando à Cosac Naify, é óbvio que, para chegar a essa alternativa, tentaram de tudo. Ou alguém em sã consciência acredita que eles se recusaram a vender o estoque para livrarias, distribuidores ou mesmo a saldo, ou então que não quiseram doar para quem ao menos bancasse o frete? “Você quer comprar?! Ah, não vendo, não vendo e não vendo! E você, quer doação e paga o custo de remessa? Que nada, prefiro mandar para aparas!”... É claro que não. Certamente ninguém quis comprar por não haver apelo comercial para os seus respectivos públicos-alvo, e não por falta de qualidade editorial. E, ainda que os saldos se interessem, restam os impostos a pagar – IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Sem contar a apuração contábil que isso exigirá. É extremamente provável que uma venda a saldo não cubra as despesas, dado o que pagam por exemplar. Seria até recomendável fazê-la como forma de reduzir estoques numa editora em operação e que necessita momentaneamente de complementar o caixa em curto prazo, reduzir estoques e valores de armazenagem, não em uma editora que está fechada e não gera outros recursos.
É claro que, trazendo esse assunto à tona, e sabendo que muitos editores agem assim diariamente, mas não alardeiam, a Cosac imaginava que haveria comoção, especialmente pela aura que criou ao longo do seu tempo de atividade, e, talvez diante da divulgação do fato, quem negou interesse no passado venha a manifestá-lo agora. Faz parte do jogo e não há nada de condenável nisso, muito pelo contrário. É uma estratégia plenamente justificável para tentar salvar o que resta. De todo modo, resumindo a ópera, doar é bem mais complexo do que parece e está muito além da mera ação social. Doar livros é inegavelmente uma atitude nobre, todavia pode deixar um editor em dificuldades ainda mais pobre... Embora, às vezes não pareça, editor também é gente!
Henrique Farinha
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