Kuba Gornowicz |
Será que as nossas bibliotecas dizem realmente quem somos? Quantos dos livros que temos na estante foram efectivamente lidos por nós? Quantos estarão lá apenas porque alguém no-los ofereceu (e não estou a pensar em presentes dados por amigos e familiares que julgam, pelo menos, conhecer-nos, mas nessa grande quantidade de obras que nos vêm parar às mãos em festivais, congressos, bibliotecas públicas, câmaras e muito mais sem, na verdade, o desejarmos). É possível traçarem-nos um retrato fiel pelos livros que guardamos em casa? Bem, depois da morte de Doris Lessing, que recebeu o Prémio Nobel da Literatura, Nick Holdstock foi convidado a organizar a sua biblioteca (4000 volumes!) e, ao contrário do que esperava, o caos que encontrou não definia a sua proprietária: ela tinha de tudo, e muito desarrumado – filosofia ao lado de ilusionismo; mesmo na cozinha, havia muito mais do que livros de culinária, nomeadamente uma obra sobre os gulags na Albânia que não poderia certamente ser tida por uma receita saudável. Além disso, os livros não tinham praticamente vestígios da Doris Lessing leitora: nem cantos dobrados, nem sublinhados, nem mesmo o nome dela no frontispício, ainda que trouxessem frequentemente a marca dos seus autores em dedicatórias (de Raymond Carver, Alberto Manguel, Allen Ginsberg, entre outros). Nick Holdstock pensava que, ao folhear os exemplares, encontraria anotações importantes que queria seleccionar para um possível futuro biógrafo de Lessing, mas as voltas saíram-lhe trocadas... Agora, que o Manel e eu decidimos reunir as nossas duas bibliotecas para nos livrarmos dos repetidos e arranjarmos espaço para o que ainda virá, é que já ninguém nos poderá tirar o retrato como leitores.
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