Livros na calçada
Quem gosta de livros como eu não se limita às livrarias de grife, com suas bancadas de lançamentos, ou aos sebos, onde conhece pelo nome os vendedores, os gatos e os ácaros. Fica atento também aos que se vendem nas calçadas. Se passo por alguns, expostos ou empilhados numa esquina, não há compromisso que me impeça de ralentar e espiar suas capas. Posso não encontrar nada que me interesse, mas nunca me arrependo. São livros que, lidos e descartados, ganharam uma nova chance de prestar serviço.
Livros na calçada são um sintoma de crise, e o Leblon, onde moro, tem recebido muito desse tipo de comércio. Por um lado, é um elogio — supõe que somos um bairro de leitores. Por outro, é triste —a maior parte desses livros vem de coleções desfeitas pela morte do titular e pelo desprezo dos que ficaram.
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Kabul (Afeganistão) |
Meu amigo Thiago vende livros na esquina da rua João Lira. Há pouco exibiu um lote raro de se encontrar na calçada —livros de poesia de todas as épocas, de inúmeros autores e em várias línguas. Ia dos gregos e latinos, como Homero e Virgilio, aos fundadores, como Dante, Chaucer e Camões, dos metafísicos, como John Donne, aos românticos, como Byron, Shelley e Keats, e dos franceses, como Verlaine, Rimbaud e Mallarmé, aos americanos, como Poe, Marianne Moore e Wallace Stevens. Entre os brasileiros, não ficava nos suspeitos de sempre —tinha também Gilka Machado, Dante Milano, Mario Faustino. Para escoltá-los, livros de crítica, ensaio e história da poesia.
Perguntei a Thiago de onde tinham vindo. De uma senhora aqui da rua, ele respondeu. Não sabia o nome. Ela morrera e o filho ou neto o chamara para ir pegá-los. Abri alguns. Um nome a tinta se repetia: Maria Helena.
Gostaria de ter conhecido esta sra. Maria Helena. Seria uma professora, uma amante de poesia ou, quem sabe, ela própria, poeta. Eu, simples leitor, senti-me seu irmão. Irmão em livros.
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