segunda-feira, agosto 12

Moby Dick no galinheiro

Vivendo e aprendendo. Descobri que o romancista americano Herman Melville, que teria feito 200 anos no dia 1º último, pode ter passado sua juventude no mar, inclusive na pesca baleeira, mas escreveu sua obra-prima, “Moby Dick”, numa fazenda nos cafundós do Massachussets, onde morava. Não haveria nada demais nisso se “Moby Dick” não fosse, além da história de uma obsessão, a maior narrativa da vida marítima, com descrições até das vísceras das baleias. E como Melville pode ter feito isso cercado de bodes balindo, galinhas cacarejando e vacas fazendo mu?

Simples. Da mesma forma que Dorival Caymmi também compôs suas canções sobre o mar e os pescadores (“Minha jangada vai sair pro mar...”) sem saber nadar e nunca ter pescado na vida. Ou que Tito Madi compôs “Chove Lá Fora”, uma das mais pungentes canções de solidão, a bordo de uma canoa no meio de um lago e sob o maior sol. Ou que Vinicius de Moraes escreveu a letra de “Garota de Ipanema”, não no famoso botequim, mas num apartamento no bairro de Laranjeiras e numa casa em Petrópolis, ambos de sua mulher na época, Lucia Proença.

Nos anos 60, Nelson Rodrigues traduziu os best-sellers de Harold Robbins, como “Os Insaciáveis”, sem saber inglês nem para conjugar o verbo tó bé. Como? “Traduzindo”. Na verdade, apenas assinou as traduções. E Guimarães Rosa construiu sua obra situada no sertão, incluindo “Grande Sertão: Veredas”, tendo passado apenas duas semanas no sertão de verdade —ele, que era de uma cidade mineira, Cordisburgo, 710 metros acima do nível do mar. Ou seja, seu sertão foi inventado por ele.

Tudo isso, para mim, apenas engrandece o criador. Ao contrário do biógrafo, que é um escravo do fato e da informação, o artista não precisa da realidade. Inventa a sua.


Enquanto suas porcas pariam e os gambás invadiam seu galinheiro, Melville estava em alto mar, à caça de Moby Dick.

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