sexta-feira, agosto 30

Negra Sabina

Cerâmica do piso brilhando. Móveis lustrados. Vidros sem um fio de poeira. Comida deliciosa, pratos variados, cheiro provocante, tempero divino.

Incomum disposição nos trabalhos de casa.

Outra não existia no mundo. A família elogiava. Nem ligava.

Fechava a porta da cozinha. Não queria ver marido e esposa duelando na sala. Nem pai com o filho. Batalhas acirradas.

Nunca quis ter seu homem. Pra que ter filho, pobre e preto? Carregar mais peso neste mundo? Bastava-se na sua cruz pessoal. Acostumada com o destino. Doçura nunca lhe pertenceu neste mundo cheio de amarguras.

Tempão trabalhava para aquela gente fina. De cabelo louro, olho azul, pele branca como vela.

Um dia, a pergunta constante, ninguém sabia explicar o sumiço da foto. Quem tinha feito aquilo? A moldura vazia na parede. Sem o retrato do neto da patroa. Procurou-se por todos os cantos. A patroa abriu, fechou gavetas.

Coisa estranha, intrigante.

Negra Sabina era empregada de confiança. Nunca tinha sumido nada no apartamento.

Então como foi acontecer? “Se quiser, vá até meu barraco. É perto daqui. Procure lá”. Resposta da patroa, nervosa: “O que é isso? Nunca falamos que foi você.”

Para que ia querer o retrato da criança loura, cabelos finos, olhos azuis como o mar?

Colocara o retrato do menininho no seio.

À noite no barraco. Diante da foto protegida por mãos generosas. Cantava baixinho:

Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Vem pegar nenê
Que tem medo
De careta
.

Igual como a tataravô fazia com o neném da sinhazinha. Na casa-grande do engenho.

Cyro de Mattos

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