quinta-feira, agosto 15

O sumiço místico do togolês Thomas Agbessi

Li há poucos dias na imprensa europeia a história de um jovem togolês, Thomas Agbessi, que desapareceu do interior de uma van da polícia espanhola, depois de ser preso por falsificação de cartões de crédito. Perplexos, os policiais interrogaram outros prisioneiros, também africanos, que seguiam no mesmo veículo. Estes explicaram que, em determinada altura do percurso, Thomas decidiu despir todas as roupas, anunciou a intenção de sair dali, invocou os ancestrais, e “desapareceu misticamente.” Os prisioneiros estavam algemados e a van trancada.

Invejo a qualidade dos ancestrais de Agbessi. A minha avó Rosália, por exemplo, já me tem resolvido um sem número de problemas. Sempre a invoco quando estou aflito. Duvido, contudo, que fosse capaz de me arrancar do interior de uma van em andamento, para depois me depositar em segurança nas areias do Leblon.

Pensando melhor, talvez o mais importante não seja o poder dos ancestrais, mas a força da fé. A convicção costuma contar mais do que a condição.

Na Ilha de Moçambique, onde resido parte do ano, muitas pessoas testemunharam um episódio que ilustra a importância da convicção e da determinação. Há cerca de 20 anos, a ilha viveu dias agitados depois que um pescador muçulmano muito devoto, Abdul Abdala Suleimane, mais conhecido na época por Dulinho, e hoje por Voador, anunciou a intenção de cumprir o "haje", a obrigatória peregrinação até Meca, atravessando os céus, sem utilizar outro meio de locomoção que não o próprio corpo, ou seja, dispensando aparatos mecânicos como aviões, helicópteros, balões, dirigíveis ou asas-delta. No início, todo o mundo troçou dele. Dulinho não se incomodou. O que distingue um louco de um visionário é a determinação. O pescador tanto insistiu no projeto, o qual requeria apenas uma boa pista de lançamento voltada para Meca, que as pessoas deixaram de se rir dele e passaram a apoiá-lo. O prefeito conseguiu as verbas necessárias para a construção da pista, tendo dois ou três beneméritos doado a verba necessária para que fosse possível erguer as arquibancadas.

Na manhã do lançamento a cidade acordou engalanada. O povo encheu as ruas numa euforia de festa grande. O que começou por ser um dia de orgulho, porque em breve um ilhéu seria conhecido no mundo inteiro como o primeiro homem a voar até Meca, terminou em vergonha e desilusão. Dulinho tentou uma, duas, três vezes, mas apenas esvoaçou torpemente, como uma avestruz ou uma galinha, erguendo-se no máximo à altura das arquibancadas, para depressa se despenhar. A multidão, que instantes antes o aplaudia, lançou-se contra ele e o infeliz acabou numa cama do hospital, muito maltratado.

Mais tarde, explicou a um jornalista a razão do terrível desaire: “Quando subi a rampa descobri que não tinha combustível.”

Portanto, faltou-lhe o combustível: no caso, a fé.

Thomas Agbessi, esse, tinha o tanque cheio. Imagino o heroico momento quando, depois de se despir, anunciou aos companheiros a intenção de abandonar a van. “E como você vai sair daqui?!” — perguntaram os outros prisioneiros.

“Saindo”, disse Agbessi. E saiu.
José Eduardo Agualusa

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