No Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro (onde tudo acontece além da conta), o Homem ultrapassou o prazer inconsciente de dar as notícias desagradáveis, para atingir o gozo em cada vez que consegue fazer alguém muito infeliz.
A simples explicação do fenômeno talvez não convença o leitor de que estamos falando a sério. Desçamos, portanto, a alguns exemplos. Primeiro: É com certa dificuldade, vencendo vários limites e impedimentos seus, que você consegue fazer qualquer confissão mais agradável a alguém. Pense em quantas vezes você teve que discutir com você mesmo, para dizer que a gravata do seu amigo era bonita. Conseguiu dizer, sim, mas depois de se considerar mesquinho por não ter dito antes, na frase descuidada que lhe veio do coração à boca. Segundo: Pense em quantas vezes você disse a alguém que a gravata não lhe ia bem. A gravata aqui vale todas as coisas que você considera e elogia. Pense ainda na hipocrisia dos vários preâmbulos e rodeios que já fez para censurar – uma gravata: "Você me desculpe, mas"... "Você não me leve a mal, mas"... E sempre esta detestável e mais hipócrita das preparações: "Eu vou lhe falar com toda a minha franqueza." Tenho horror a quem me diz franquezas de bar. Na realidade, só existe uma franqueza, que é a do amor.
Não é possível curar a humanidade de sua eterna má vontade. Mas, ao menos aqui no Rio de Janeiro, assim como se fazem as semanas "da Asa" e "do Trânsito", podia-se organizar a "Semana da Felicidade". O comércio varejista não entraria (como nos dias do Papai e da Mamãe) com a sua propaganda ostensiva de rádios e televisores. Não haveria presente na "Semana da Felicidade" para não corromper a constante felicidade, que se estaria oferecendo. Apenas as pessoas, durante sete dias, só iriam dizer coisas agradáveis umas às outras.
Nesta altura é preciso dar uma explicação necessária. Dizer coisas agradáveis não seria dizer a Maria que ela é bonita, quando ela é feia; nem a Pedro que ele está mais magro, quando Pedro está visivelmente mais gordo. Não. Sem grande esforço, encontrar-se-á, em cada pessoa, dez valores elogiáveis. E, quando não houver um só, conte-se uma história qualquer, que faça bem. Conte-se, por exemplo, como foi o amanhecer. Como ficou o céu, com os laivos vermelhos do amanhecer. Como estava o mar, na primeira luz sobre o seu brilho baço do amanhecer. Ou se fale de um trecho de canção, da ária ou de um tema tocado por Milles Davies. Do piano de Garner, seu ritmo comparável ao improviso da Fitzgerald e da Vaughan. Ou, com patriotismo, do sax-tenor de Cipó ou dos trombones, do irmão Maciel mais novo. Conte-se bem uma cidade inesperada de sua viagem. Como eram as montanhas ou a cor da planície. As pessoas, seus olhos e suas blusas.
Na criação da "Semana da Felicidade", não sei para quem deva apelar. Não sei a que governo transmitir a ideia. Federal ou municipal. Ou a que departamento de turismo. Não. O apelo tem que ser feito a cada um dos meus possíveis leitores e por cada um transmitido às pessoas de sua sociedade. Quanto a mim, devo dizer que vivo, permanentemente, em semana de felicidade. Quando não posso fazer alguém feliz, com uma confissão ou uma história, não digo nada. Em troca, peço que não me tirem a alegria. Que não deem noticias, sobre mim e sobre os outros, que, de leve, possam arranhar minha naturalidade feliz. E, de um modo especial, não me digam franquezas.
Antônio Maria, "As crônicas de humor de Antônio Maria"
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