terça-feira, fevereiro 4

As cidades

O viajante para. Fecha, abre os olhos, resolve entrar. O branco do céu aos poucos descortina a mancha no horizonte. São edifícios altos e largos, próximos entre si. Para sua surpresa, o ambiente não é claustrofóbico como aparenta. O chão é de pedras irregulares e escorregadias, cuja solidez disfarça uma sinuosidade intrínseca. As formas remetem a imagens em que cada parte formava um todo familiar. Ele olha mais perto e nota que as habitações possuem paredes de tijolos. Os pequenos blocos eram em sua maioria adornados com símbolos da base até onde a vista alcançava, com eventuais interrupções. Resolve deslocar alguns e troca alguns tijolos por pedras em que se sustenta. Aparente fixo o retângulo não está cimentado, e se mexe. Um estrondo e uma mudança seguem. O que era uma casa pequena, discreta e de formato simétrico se torna uma obra arquitetônica adornada por curvas inesperadas e ângulos retos. Um morador sai de dentro do local transformado pela influência do estrangeiro.

– Obrigado! Não sabia que a construção podia ficar assim! Mais ousado, não acha?

O estrangeiro foge apavorado pelo que fez até alcançar um novo lugar, como se teletransportado.

De repente, está em outra cidade. Nela, vê uma grande imagem brilhosa de um homem em meio a um bosque. O sol penetra as folhas e doura o caminho de terra. Não há vento ou mesmo som. Ele então se depara com uma avenida lotada de uma metrópole. As pessoas usam roupas antigas e correm. Nota que parecem estar em fuga. São jovens com cabelos grandes e roupas sociais. Atrás deles, cavaleiros em armadura, que jogam frascos esfumaçados e empunham cassetetes. O olhar elege um desses oficiais enquanto espanca um dos jovens, caído. No canto esquerdo, dois policiais carregam uma pessoa descordada com uma tinta preta cobrindo o rosto e a camisa. Ele sai daquele mundo em preto e branco, novamente em medo.

Finalmente, o visitante se depara um lugar parecido com o seu. Entretanto, as pessoas têm uma fisicalidade exagerada, distorcida. Os animais também possuem a habilidade de fala e alguns, como porcos e um cavalo, possuem sentimentos humanos. Enxerga curioso que eles se comunicam através de placas suspensas. O impossível era real neste ambiente, mas a atmosfera era única com um misto de entusiasmo juvenil com uma maturidade cartunesca. O visitante fica tonto em meio aos quadros circulares e retangulares carregados de informações e desmaia.

Desperta em uma cidade grande. Percebe que os ambientes estranhos em que esteve eram seus bairros. Há vários deles em zonas diferenciadas. Nota que se sente à vontade. Mais uma vez, os pedaços constroem a unidade, apesar destes preservarem a individualidade estética. Aquela variedade de vidas e experiências o fortalecera e lhe trouxera sensações que preservaria.

Encara o mapa a seu dispor e esquece o medo. Cada baque lhe recarregara as energias e os espantos o fizeram encarar a si mesmo. Retorna às cidades anteriores, que permanecem em metamorfose. Na superfície distante, elas estão eretas ou deitadas dentro de zonas, cuja catalogação grosseira esconde onde os tesouros estão enterrados. Incrível como as particularidades de cada obra resistem apesar de estarem na mesma seção. Permanece em êxtase até que uma voz, sua voz, anuncia o chamado final para a aventura. Chega o momento para adentrar territórios desconhecidos que as jornadas podem oferecer. O toque de um despertador ressoa:

– Amigo, tamos fechando a livraria. Vai levar o livro?

Daniel Russell Ribas

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