É a filha que, sem a cegueira da paixão, considera que a relação é muito suspeita e avisa o programa. A investigação mostra que o suposto bonitão é na verdade uma garota pouco agradável de 31 anos, lésbica e com antecedentes criminais. Há um cara a cara entre as duas, e se diria que a catfish também se autoenganou: alimentava a esperança que sua vítima acabaria se apaixonando por ela. Mas a mulher fica compreensivelmente devastada e sai correndo (além disso, é heterossexual).
Suponho que será difícil que o leitor acredite em mim, mas a vítima não parecia uma boba; simplesmente estava muito necessitada. Que fácil é enganar um coração apaixonado. Ou melhor: com que facilidade um coração ansioso por se apaixonar consegue enganar seu dono. Na verdade, a protagonista do documentário enganou a si mesma.
A paixão é assim, uma quimera. Quanto mais apaixonada uma pessoa estiver, mais distância da realidade tem seu amor ilusório. Cervantes, que já escreveu tudo, nos mostra o ridículo dessas miragens quando fala sobre a loucura de Dom Quixote por sua inexistente Dulcineia, um ser inventado por ele a partir de uma camponesa vizinha, Aldonza Lorenzo. Na verdade, todos nós dulcineamos um pouco ou muito quando nos apaixonamos, como a protagonista de Catfish. Já dizia Platão: amar é dar o que não se tem a quem não é. O que não se tem, porque no impulso incontrolável da conquista nos mostramos adornados por virtudes, abrimos caudas de pavão que não são nossas, fingimos ser melhores do que somos. E a quem não é, porque a dança da corte a fazemos à Dulcinea que inventamos, não ao indivíduo autêntico, aquele ser real que nos empenhamos em não ver.
É por isso que as paixões crescem como cogumelos sob o amparo do desconhecimento do outro. Hoje, com a invisibilidade das redes sociais; mas antes, em tempos mais convencionais, por exemplo, também por causa da distância nos namoros: aqueles casais que não se conheciam sexualmente antes de se casar e que viviam relações pré-matrimoniais muito formais eram a causa e a origem de muitas fantasias e decepções. Sem falar, é claro, das relações epistolares, um perfeito caldo de cultivo da paixão inventada. Como a história da escritora norte-americana Helene Hanff (1916-1997), que se correspondeu durante 20 anos com Frank Doel, um livreiro de Londres; começou comprando livros dele e acabaram dulcineando docemente. Hanff nunca se atreveu a conhecê-lo pessoalmente; quando começou a juntar coragem, Doel morreu (provavelmente fez bem em não vê-lo: que a realidade não estrague uma boa paixão). As cartas foram publicadas em um delicioso livrinho, 84, Charing Cross Road, o endereço da livraria.
A paixão, enfim, é como aquelas sombras chinesas feitas com as mãos sobre a parede. Se você apaga a luz (o tórrido holofote da sua imaginação), as sombras desaparecem. E assim, amados de antanho cuja ruptura com eles foi um cataclismo, podem te parecer hoje perfeitos desconhecidos sem um átomo de charme por dentro. Dulcinear sem freio é o que tem (eu estou tentando acabar com isso).Rosa Montero
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