– Acho que eu não podia ser escritora, sou tão... tão resumida!
Um dia, porém, como escondida de si mesma, teve uma inspiração e anotou no caderno de despesas algumas frases sobre a beleza do Pão de Açúcar. Só algumas palavras, ela era resumida. Muito tempo depois, numa tarde em que estava só, lembrou-se de que escrevera alguma coisa sobre alguma coisa – sobre o Corcovado? Sobre o mar? Só se lembrava de que havia usado as palavras “beleza muito pitoresca”. Foi procurar o antigo caderno de despesas. Por toda a casa. Móvel por móvel. Abria caixas de sapatos na esperança de ter sido tão secretiva quanto a sua inspiração a ponto de guardar o escrito revelador de sua alma numa caixa de sapatos. Teria sido uma boa ideia. Aos poucos a sufocação crescia, ela passava a mão pela testa – agora era mais do que o caderno de despesas que ela procurava, procurava o que a inspiração lhe ditara, vejamos, paciência, procuraremos de novo. O que estaria escrito no caderno? Lembrava-se de que era algo muito espiritual sobre alguma coisa pitoresca. Pitoresco era para ela o máximo. Procuremos, é questão de força de vontade, é questão de ir e pegá-lo. Que desastre – sentia imóvel no meio da sala, sem direção, sem saber onde mais procurar – que desastre. A casa calma à tarde. E em alguma parte havia uma coisa escrita, um pensamento íntimo, disso tinha certeza. Desabotoou afogueada a gola da blusa: não achar seria perder alguma coisa muito sua. Não desanime, dizia-se, procure entre os papéis, entre as cartas, entre as raras notícias que lhe mandavam. Ah, raciocinava ilogicamente, tivessem-lhe escrito mais e ela teria onde procurar. Mas sua vida ordenada era exposta, tinha poucos esconderijos, era limpa. O único esconderijo era a sua alma que uma vez se manifestara no caderno de despesas. Mas que felicidade ter móveis, caixas onde encontrar por acaso.
Uma vez ou outra procurava de novo. De vez em quando se lembrava do caderno de despesas num sobressalto de esperança. Até que, depois de alguns anos, um dia ela disse, modesta:
– Quando eu era mais moça, eu escrevia.
Clarice Lispector, "Todas as crônicas"
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