domingo, novembro 13

A guerra

No final do verão daquele ano, ocupávamos uma casa, numa aldeia, de onde, além do rio e da planície, víamos as montanhas. O leito do rio era coberto de cascalho e de pedras, que ao sol pareciam secos e esbranquiçados. A água era muito límpida, ligeira e bastante azul nos pontos mais fundos. As tropas passavam pela casa, seguindo estrada abaixo, e a poeira que erguiam salpicava as folhas das árvores. Também os troncos das árvores estavam empoeirados. As folhas caíram cedo naquele ano. Víamos as tropas em marcha pela estrada, a poeira se levantando e as folhas caindo ao sopro do vento, e, depois que os soldados passavam, a estrada ficava branca e nua, exceto pelas folhas.

A planície abundava de plantações; muitos pomares com árvores frutíferas e, para além da planície, as montanhas pardas e calvas. Havia luta nas montanhas, e, à noite, podíamos enxergar os clarões da artilharia. Na escuridão, pareciam os relâmpagos do verão, mas as noites eram frias e não havia aquela sensação de uma tempestade chegando.

Às vezes, na escuridão, ouvíamos o rumor de tropas em marcha logo abaixo da janela, com os canhões puxados por tratores. Havia muito tráfego à noite e muitas mulas nas estradas com caixas de munição em ambos os flancos de suas selas, e caminhões cinzentos, cheios de homens, alguns com a carga coberta de lona, desfilando lentamente. Havia ainda grandes canhões, que passavam de dia, puxados por tratores, os longos canos camuflados de arbustos e galhos cobertos de folhas, além de videiras sobre os tratores. Olhando para o norte, víamos, além da planície, uma floresta de castanheiros; depois, a montanha, daquele lado do rio. Também houve muita luta pela posse daqueles morros, mas sem resultado; e no outono, com a chuva, caíram todas as folhas dos castanheiros. Os galhos estavam despidos e os troncos enegrecidos pela chuva. Os vinhedos tornaram-se também varas finas e desnudas, e por toda a região pairava a tristeza da chuva e da morte, algo típico do outono. Havia névoa sobre o rio e nuvens na montanha distante. Os caminhões chapinhavam e espirravam lama, e os soldados passavam sujos de barro e molhados, em seus capotes; os rifles estavam encharcados, e, por debaixo dos capotes, as duas patronas de couro cinzento na frente do cinturão, bastante pesadas, com os cartuchos de 6.5 mm, alongados e finos, estufavam tanto suas silhuetas, que faziam os homens em marcha parecerem grávidos de seis meses.

Pequenos automóveis cinzentos passavam ligeiros. Na maioria das vezes, havia um oficial no assento do lado do motorista e outros no assento traseiro. Os automóveis espirravam mais lama do que os caminhões; e se um dos oficiais do banco traseiro fosse muito baixo e viesse entre dois generais, mesmo sendo tão pequeno que não conseguíssemos ver seu rosto, mas apenas o quepe e suas costas estreitas, e se esse carro, ainda, estivesse correndo mais do que os outros, provavelmente este oficial seria o rei. Ele fixara-se em Udine e passava por ali quase todo dia para checar pessoalmente como andavam as coisas. E as coisas iam mal.

No início do inverno, vieram as chuvas ininterruptas, e com as chuvas chegou o cólera. Felizmente a epidemia foi combatida a tempo, e apenas sete mil soldados morreram vítimas dela.
Ernest  Hemingway, "Adeus às Armas"

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