Era complicado arrumar livros, era difícil jogá-los fora. Eles resistiam. Arrumou uma caixa de papelão para os rejeitados que iriam para a doação. Depois de uma hora, ali estavam dois guias de viagem ultrapassados em edições de bolso. Alguns exemplares guardavam pedaços de papel ou cartas que precisavam ser lidas antes de devolver os livros à estante. Outros continham dedicatórias carinhosas. Muitos eram familiares demais para evitar que fossem abertos e desfrutados de novo — ter a primeira página ou alguma ao acaso relida. Um punhado era de primeiras edições modernas que pediam para ser abertas e admiradas.
Ele não era um colecionador — tratava-se de presentes ou compras acidentais. Fez algum progresso enquanto Lawrence dava uma cochilada no fim da manhã. À noite, recomeçou após jantar. O segundo livro que pegou de uma pilha recém-montada pertencia à biblioteca de uma escola. Tinha dentro as velhas marcas do Conselho do Condado de Londres e o carimbo da bibliotecária: 2 de junho de 1963. Não fora aberto desde então, sobrevivera a várias mudanças de casa e a um ano num depósito. Joseph Conrad, Juventude e duas outras narrativas. Edição mais barata, J. M. Dent & Sons Ltd, reimpressão em 1933, sete xelins e seis pênis. O corte das páginas tinha sido feito de forma grosseira. Ainda possuía a capa macia, nas cores creme, verde-escuro e vermelho, uma xilogravura mostrando palmeiras e uma embarcação com as velas enfunadas passando por um promontório rochoso e montanhas distantes. Uma evocação do Oriente tropical cuja perspectiva excitara o jovem protagonista do conto. Roland ficou feliz por reencontrar o livro. Viajara clandestinamente com ele sem ser notado. Ele adorou “Juventude” aos catorze anos, idade em que raramente se interessava pela leitura. Não lembrava da história. Segurando o livro com as duas mãos, como numa prece, aberto na primeira página, ele se acomodou na cadeira mais próxima e não se mexeu por uma hora.
Ian McEwan, "Lições"
Nenhum comentário:
Postar um comentário