quarta-feira, fevereiro 22

Notas

Soluços, lágrimas, casa armada, veludo preto nos portais, um homem que veio vestir o cadáver, outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites, convidados que entravam. Lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e calados, padre e sacristão, rezas, aspersões d'água benta, o fechar do caixão a prego e martelo, seis pessoas que o tomam da essa, e o levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos, soluços e novas lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e traspassam e apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece um simples inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo extremamente suculento, em que provava que a terra deve continuar a girar em volta do sol; porquanto: – a) a natureza não inventou a morte, senão com o fim de dar vida a algumas indústrias – armadores, segeiros, empresas funerárias, tipografias, e outras que ela sagazmente previu; – b) mortas essas indústrias, pela ausência da morte humana, não é improvável que viessem a morrer os respectivos industriais; o que dava na mesma. Mas tudo isto são apenas notas de um capítulo que não escrevo.

Machado de Assis, "Memórias Póstumas de Brás Cubas"

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