quarta-feira, fevereiro 1
Aula de leitura
Ele abriu o livro e seus olhos se dilataram diante daquele mundo desconhecido, fabular. Começou a ler, impetuoso, correndo e aceitando os riscos de descobrir, no instante lido, os perigos narrativos. Ela, com os óculos de lentes embaçadas, consertava-lhe os equívocos de pontuação. Regia tom por tom, comandando o tempo de cada sílaba: “Preste atenção nos dígrafos, observe a sintaxe, preste atenção nas proparoxítonas!” Ele então recuperava a frase lida impulsivamente, engolindo muitas vírgulas e pontos, tentava ser mais brando, respirar. Relia pau-sa-da-men-te, mas já nem conseguia enxergar os rostos das personagens, como se estivessem se afogando em águas profundas. Ela, não satisfeita, explicava-lhe, aflita: “Não se pode engolir a pontuação! Assim você mata a língua!” Assustado, com medo de ser o responsável por assassinar a língua, tomava fundo o ar nos pulmões. Releu a frase que desembocou em outra e em outra mais. Era um rio a fluir tão livre! E em seu coração os batimentos eram peixes se multiplicando dentro do fluxo, espocando como flores d’água. Ela, insatisfeita, o fez repetir. Ainda disse: “Leia como se fosse uma partitura! Respeite as pausas, os intervalos entre uma palavra e outra. Do contrário, você não vai compreender a construção textual, perceber os parâmetros frasais”. Ele leu, releu. Dava para ver em seus olhos a angústia, queria ir sozinho, arriscar, mas já estava exausto. Aquele rio era quase impossível de atravessar. Por que ela não entendia que há peixes que só se pegam no susto, em meio a águas marulhosas e corredeiras sem pausas?
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