As persianas dessa casinha estão sempre fechadas: os moradores não necessitam de luz. A luz é dispensável para eles. As janelas nunca se abrem, porque os habitantes da casinha não gostam de ar fresco. Pessoas que vivem permanentemente entre amoreiras, acácias e bardanas são indiferentes à natureza. Somente aos veranistas das casas de campo é que Deus deu a capacidade de compreender a beleza da natureza; já o restante da humanidade atola-se em profunda ignorância. As pessoas não valorizam o que possuem. “Não conservamos o que é nosso” – costuma-se dizer. Mais do que isso: nós não amamos aquilo que é nosso. Em torno da casinha, há um paraíso terrestre, verde, cheio de pássaros alegres; já dentro da casinha, um horror! No verão, é tórrido e abafado; no inverno, quente como uma sauna, com um ar viciado e um enorme tédio...
A primeira vez que visitei essa casinha foi há muito tempo, e eu tinha uma incumbência: viera para transmitir os cumprimentos do dono da casa, coronel Tchikamássov, a sua esposa e a sua filha. Lembro-me perfeitamente dessa minha primeira visita, e não poderia ser diferente.
Imagine uma mulherzinha sem traquejo social, de uns quarenta anos, que olha para você com espanto e pavor no momento em que você passa do vestíbulo para a sala. Você é um “estranho”, uma visita, “um jovem rapaz” – e isso já é suficiente para despertar espanto e pavor. Você não tem na mão nem maça, nem machado, nem revólver; você está sorrindo amistosamente, mas é recebido com ansiedade.
– A quem eu tenho a honra e a satisfação de receber? – pergunta com voz trêmula a senhora de meia-idade, que você identifica como a senhora Tchikamássova.
Você diz o seu nome e explica o motivo de sua vinda. O pavor e o espanto são substituídos por um “ah!” estridente e alegre, acompanhado de um revirar de olhos. Esse “ah”, como um eco, é transmitido do vestíbulo para a sala de visitas, da sala de visitas para a sala de jantar e desta para a cozinha... assim chegando até a adega. Em pouco tempo, toda a casinha se enche de muitos tipos de “ah”, alegres e variados. Cinco minutos depois, você já está sentado na sala de jantar, num grande divã, macio e quente, ouvindo toda a rua Moskóvskaia exclamar “ah”.
Sentia-se um cheiro de pó para traças e de uns sapatos novos, de pele de cabra, que estavam sobre a cadeira ao lado, enrolados num lenço. Nas janelas havia gerânios e retalhos de musselina. Nos retalhos, um monte de moscas de barriga cheia. Na parede pendia o retrato de um arcipreste, pintado a óleo, coberto por um vidro com um cantinho quebrado. Partindo do arcipreste, começava uma fileira de antepassados com fisionomias amarelo-limão, parecendo ciganos. Sobre a mesa estavam um dedal, um novelo de linha e um pé de meia não totalmente tecido; no chão havia moldes e uma blusinha preta com linhas de um colorido vivo. No quarto ao lado, duas velhinhas assustadas e apressadas apanhavam do chão moldes e retalhos...
– Está uma desordem terrível aqui, nos desculpe! – disse Tchikamássova.
Ela conversava comigo e olhava confusa para a porta, atrás da qual as senhoras estavam catando os moldes. A porta, também de modo confuso, ora se entreabria, ora se fechava.
– O que você quer? – disse Tchikamássova em direção à porta.
– Où est mon cravatte, lequel mon père m’avait envoyé de Koursk? – perguntou de trás da porta uma voz feminina.
– Ah, est ce que, Marie, que... Ah, será possível? Nous avons donc chez nous un homme très peu connu par nous... Pergunte à Lukéria...
“Mas como nós falamos bem francês!” – li nos olhos de Tchikamássova, que estava corada de satisfação.
Logo depois, a porta se abriu e eu vi uma donzela alta e magra, de uns dezenove anos, com um vestido longo de musselina e um cinto dourado, do qual, me recordo, pendia um leque de madrepérola. Ela entrou, sentou-se e enrubesceu. Inicialmente enrubesceu seu nariz comprido, um pouquinho bexiguento; dali, o rubor caminhou para os olhos e, de lá, para as têmporas.
– Esta é a minha filha! – disse Tchikamássova com voz cantada. – E este, Mánetchka, é o jovem que...
Eu me apresentei e expressei meu espanto pela enorme quantidade de moldes. Mãe e filha baixaram os olhos.
– No dia da Ascensão houve aqui uma feira – disse a mãe. – Nós sempre compramos uma grande quantidade de tecidos na feira, e depois passamos o ano inteiro costurando, até a próxima feira. Nunca entregamos a costura para outros fazerem. Meu Piotr Semiônytch não ganha muito e não podemos nos permitir luxos. Temos de costurar nós mesmas.
– Mas quem aqui usa tal quantidade de roupas? Pois vocês são só duas.
– Ah... Será que isso se pode usar? Não é para usar. Isso é o enxoval!
– Ah, maman, o que está dizendo! – disse a filha, corando. – Este senhor vai de fato pensar que... Eu nunca me casarei! Nunca!
Ela disse isso, mas na palavra “casarei” seus olhinhos brilharam.
Trouxeram chá, torradas, geléia, manteiga, depois serviram framboesas com creme. Às sete da noite, houve um jantar composto de seis pratos, e durante o jantar eu ouvi um bocejo alto no quarto ao lado. Olhei espantado para a porta: um bocejo assim só pode ser de homem.
– É o irmão de Piotr Semiônytch, Iegor Semiônytch... – esclareceu Tchikamássova, notando meu espanto. – Ele mora conosco desde o ano passado. Desculpe-o, ele não pode aparecer para o senhor. É meio selvagem... Fica confuso na presença de estranhos. Pretende ir para um mosteiro... Alguém o ofendeu no trabalho... E agora, por causa da mágoa...
Depois do jantar, Tchikamássova mostrou uma epitrakhil (Longa tira de tecido, em geral ricamente bordada, que os sacerdotes ortodoxos trazem ao pescoço durante os serviços religiosos, com as pontas pendentes na frente do corpo), que Iegor Semiônytch bordara pessoalmente para dar de presente à igreja. Por um instante, Mánetchka despiu-se de sua timidez e mostrou-me uma bolsa para tabaco que ela havia bordado para o seu paizinho. Quando demonstrei estar surpreso com o seu trabalho, ela ficou toda vermelha e cochichou algo no ouvido da mãe. Esta ficou exultante e me propôs ir com ela ao depósito, onde vi uns cinco baús grandes e uma infinidade de caixas e baús pequenos.
– Isto... é o enxoval! – sussurrou a mãe. – Nós mesmas confeccionamos.
Depois de ver esses sombrios baús, comecei a me despedir das hospitaleiras proprietárias. Exigiram que eu desse minha palavra de que voltaria algum dia.
Tive oportunidade de cumprir o que prometera uns sete anos depois da minha primeira visita, quando fui enviado àquela cidadezinha como perito em um caso judiciário. Ao entrar na casinha, já minha conhecida, ouvi os mesmos “ah!”... Elas me reconheceram... Como não haveria de ser? Minha primeira visita fora um grande acontecimento na vida delas e, onde acontece pouca coisa, isso se recorda durante muito tempo... Quando entrei na sala de visitas, a mãe, ainda mais gorda e já com cabelos grisalhos, arrastava-se pelo chão e cortava um tecido azul-escuro; a filha estava sentada no divã, bordando. Os mesmos moldes, o mesmo cheiro de pó para traças, o mesmo retrato com o cantinho quebrado. Contudo, ocorreram mudanças. Ao lado do retrato do arcipreste, pendia o retrato de Piotr Semiônytch, e as duas senhoras estavam de luto. Piotr Semiônytch havia morrido uma semana depois de sua promoção a general.
Começaram as recordações... A viúva do general derramou algumas lágrimas.
– É uma tristeza enorme para nós! – disse ela. – Piotr Semiônytch – o senhor conhece? – Já não está mais conosco. Eu e ela estamos órfãs e temos de cuidar de nós mesmas. Mas Iegor Semiônytch está vivo, e não podemos falar nada de bom sobre ele. Não o aceitaram no mosteiro, porque... bebe demais. E agora está bebendo ainda mais, de tristeza. Estou pensando em ir me queixar ao decano da nobreza. Imagine o senhor que várias vezes ele abriu os baús, pegou peças do enxoval de Mánetchka e deu para os romeiros. Aos poucos ele esvaziou dois baús! Se continuar assim, minha Mánetchka vai ficar completamente sem dote...
– Que a senhora está dizendo, maman! – disse Mánetchka embaraçada. – Só Deus sabe o que esse senhor vai pensar... Eu nunca, nunca vou me casar!
Mánetchka olhou inspirada e com esperança para o teto, pelo visto não acreditando no que dizia.
Pelo vestíbulo esgueirou-se uma pequena figura masculina, com uma calva profunda, casaco marrom e galochas em vez de botas, provocando um leve rumor, como um rato.
“Deve ser Iegor Semiônytch” – pensei.
Dei uma olhada na mãe e na filha: ambas haviam envelhecido muito, estavam macilentas. A cabeça da mãe cobria-se de prata, a filha desbotara, murchara, e parecia que a mãe era mais velha do que a filha uns cinco anos no máximo.
– Pretendo ir procurar o decano da nobreza – disse a velha, esquecendo-se de que já havia dito isso. – Quero fazer uma queixa! Iegor Semiônytch tira tudo que confeccionamos e doa não sei a quem para salvar sua alma. Minha Mánetchka ficou sem seu enxoval!
Mánetchka corou, mas dessa vez não disse nada.
– Será preciso fazer tudo de novo, mas Deus sabe que não somos ricaças, de modo algum! Nós duas estamos órfãs!
– Estamos órfãs! – repetiu Mánetchka.
No ano passado, o destino novamente me atirou naquela casinha que eu conhecia. Entrei na sala de visitas e vi a velha Tchikamássova toda de preto, com crepes na roupa, sentada no divã, costurando algo. Ao seu lado estava um velhinho de casaco marrom e de galochas em vez de botas. Ao me ver, o velhinho levantou-se de um salto e correu para fora da sala...
Em resposta ao meu cumprimento, a velhinha sorriu e disse:
– Je suis charmée de vous revoir, monsieur.
– O que a senhora está costurando? – perguntei, passado algum tempo.
– Uma camisa. Eu faço e levo para o padre esconder, senão Iegor Semiônytch carrega. Agora dou tudo para o padre esconder – disse ela, sussurrando.
E, dando uma olhada para o retrato da filha sobre a mesa próxima, suspirou e disse:
– Como vê, estamos órfãos!
Mas onde está a filha? Onde está Mánetchka? Não perguntei; não queria interrogar a velhinha vestida de luto profundo. Durante o tempo todo que passei na casinha, e também quando já estava de saída, Mánetchka não apareceu, e nem ao menos ouvi sua voz, ou seus passos leves, tímidos... Tudo ficou claro. Saí com um peso no coração…
Anton Tchékhov, "A Dama do cachorrinho: E Outras Histórias"
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