sexta-feira, maio 26

Com que é que se parece um professor?

Ngunga tinha um princípio: se havia algum problema, ele preferia resolvê-lo logo. Deveria esperar que o Comandante o chamasse. Mas não esperou. Foi ele mesmo falar ao Comandante. Para quê ter medo? O Comandante Mavinga estava divertido com a conversa. Falou:


— És um rapaz esperto e corajoso. Por isso deves estudar. Chegou agora um professor que vai montar uma escola aqui perto. Deves ir para lá, aprender a ler e a escrever. Não queres?

Ngunga ficou silencioso. Escola? Nunca vira. Ouvira falar, isso sim. Era um sítio onde tinha de se estar sempre sentado, a olhar para uns papéis escritos. Não devia ser bom.

— Prefiro ser guerrilheiro. Se não me querem aqui, então vou para outro sítio.

— Ngunga, tu és pequeno demais para ser guerrilheiro. Aqui já te disse que não podes ficar. Andar só, como fazes, não é bom. Um dia vai acontecer-te uma coisa má. E não estás a aprender nada.

— Como? Estou a ver novas terras, novos rios, novas pessoas. Oiço o que falam. Estou a aprender.

— Não é a mesma coisa. Numa escola aprendes mais. E assim vais conhecer o professor. Já viste um professor? Diz-me com que é que se parece um professor? Vais conhecer a escola. Eu parto amanhã e tu vais comigo.

Sem o saber, Mavinga encontrou o que podia convencer Ngunga. Com que é que se parecia um professor? Sim, precisava de conhecer o professor. Se não gostasse da esco-la, o seu saquito era fácil de arrumar. Vendo bem as coisas, não perdia nada em experimentar.

A escola era só uma cubata de capim para o professor e, numa sombra, alguns bancos de pau e uma mesa. Ngunga imaginara-a de outra maneira. Também o professor o surpreendeu. Julgava que ia encontrar um velho com cara séria. Afinal era um jovem, ainda mais novo que o Comandante, sorridente e falador. Esse aí sabia mesmo para ensinar aos outros?

Mavinga apresentou-o. Disse que ele não tinha família.

— Tem de ficar a viver aqui comigo! — disse o professor — Também já tenho o Chivuala, que veio comigo do Guando. Os outros alunos são externos, vivem nos quimbos e vêm só receber aulas. Para estes dois, vai haver o problema da alimentação.

— Não há problema! — respondeu o Comandante — Vou falar com o povo. Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga? Se não trabalhares bem, eu vou saber. E, se fugires da escola, eu encontrar-te-ei.

— Eu nunca fujo! — respondeu Ngunga — Quando quiser, digo que vou embora e vou mesmo. Não preciso de fugir como um porco-de-mato.

O professor riu.
— Espero então que não queiras ir embora. Vais ver como gostarás da escola.
Pepetela, "As Aventuras de Ngunga" 

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