Passei uma semana convivendo com Miguel Ángel Asturias, que ainda não havia se revelado com suas novelas de sucesso. Compreendemos que tínhamos nascido irmãos e raro era o dia em que não nos víamos. De noite planejávamos visitas inesperadas a paragens distantes de serras envoltas pela névoa ou a portos tropicais da United Fruit.
Os guatemaltecos não tinham direito a falar e nenhum deles falava de política diante do outro. As paredes tinham ouvidos e delatavam. Em certas ocasiões detínhamos o carro no alto de uma meseta e ali, bem seguros de que não tinha ninguém atrás de uma árvore, tratávamos avidamente da situação.
O caudilho chamava-se Ubico e governava há muitíssimos anos. Era um homem corpulento, de olhar frio, consequentemente cruel. Ele ditava a lei e nada se fazia na Guatemala sem ordem sua. Conheci um de seus secretários, agora amigo meu, revolucionário. Por ter discutido algo com ele, um pequeno detalhe, fez com que o amarrassem ali mesmo a uma coluna da sala de despacho presidencial e o açoitou sem piedade.
Os poetas jovens pediram um recital de minha poesia. Enviaram um telegrama a Ubico solicitando a autorização. Todos os meus amigos e os jovens estudantes enchiam o local. Li com gosto meus poemas porque parecia-me que entreabriam a janela daquela prisão tão vasta. O chefe de polícia sentou-se conspicuamente na primeira fila. Logo soube que quatro metralhadoras estavam apontadas para mim e para o público e que funcionariam caso o chefe de polícia abandonasse ostensivamente sua poltrona e interrompesse o recital.
Mas nada aconteceu pois o sujeito ficou até o fim ouvindo meus versos.
Depois quiseram apresentar-me ao ditador, homem inflamado por loucura napoleônica. Deixava uma mecha sobre a fronte, retratando-se com frequência na pose de Bonaparte. Disseram-me que era perigoso recusar tal sugestão mas eu preferi não lhe dar a mão e regressei rapidamente ao México.
Pablo Neruda, "Confesso que vivi"
Os guatemaltecos não tinham direito a falar e nenhum deles falava de política diante do outro. As paredes tinham ouvidos e delatavam. Em certas ocasiões detínhamos o carro no alto de uma meseta e ali, bem seguros de que não tinha ninguém atrás de uma árvore, tratávamos avidamente da situação.
O caudilho chamava-se Ubico e governava há muitíssimos anos. Era um homem corpulento, de olhar frio, consequentemente cruel. Ele ditava a lei e nada se fazia na Guatemala sem ordem sua. Conheci um de seus secretários, agora amigo meu, revolucionário. Por ter discutido algo com ele, um pequeno detalhe, fez com que o amarrassem ali mesmo a uma coluna da sala de despacho presidencial e o açoitou sem piedade.
Os poetas jovens pediram um recital de minha poesia. Enviaram um telegrama a Ubico solicitando a autorização. Todos os meus amigos e os jovens estudantes enchiam o local. Li com gosto meus poemas porque parecia-me que entreabriam a janela daquela prisão tão vasta. O chefe de polícia sentou-se conspicuamente na primeira fila. Logo soube que quatro metralhadoras estavam apontadas para mim e para o público e que funcionariam caso o chefe de polícia abandonasse ostensivamente sua poltrona e interrompesse o recital.
Mas nada aconteceu pois o sujeito ficou até o fim ouvindo meus versos.
Depois quiseram apresentar-me ao ditador, homem inflamado por loucura napoleônica. Deixava uma mecha sobre a fronte, retratando-se com frequência na pose de Bonaparte. Disseram-me que era perigoso recusar tal sugestão mas eu preferi não lhe dar a mão e regressei rapidamente ao México.
Pablo Neruda, "Confesso que vivi"
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