Fiz em casa a massa para a isca, batendo no liquidificador ração de gato, colorau e farinha de trigo, depois sovando com ovo e missô, fica uma massa vermelha e cheirosa, muito mais atraente para os peixes do que a massa escura do pesqueiro. Logo pego a primeira tilápia, para mostrar a Caetano como se faz.
Boto a tilápia no samburá, boto nova isca no anzol, boto a vara nas mãos dele. Ele olha a boia, enquanto digo que deve puxar a vara só quando ela afundar ou correr. A boia tremelica, ele puxa, nada pega, repito as instruções. Ele olha a boia, ela trisca, tremelica, sacode e afunda, ele ainda olhando fascinado. Grito para puxar a vara, ele puxa, e então me revejo no momento inesquecível, o peixe dá vida puxando para lá, o menino puxando para cá, a vara curvando e vibrando com o menino.
Digo para ele cansar a tilápia, mas que, ele puxa até ela bater na beirada, então pego a linha e tiro o bicho da água. Agachamos olhando o peixe espantado na grama, enquanto o menino se espanta do próprio poderio, até levantar gritando:
— Peguei, vô, peguei!
Vou ensinando a botar isca e lançar a vara, coisas que ele faz mais ou menos, como também não atina com a hora certa de fisgar, mas puxar a vara, ah, puxa que só. Quando tiramos o terceiro peixe, uma mulher fala que ele é um grande pescador, e ele me olha orgulhoso. Depois da quarta tilápia, vamos ao bar para ele pegar suco de morango, e pergunto se quer fazer xixi, diz que não, quer pescar.
Voltamos à lagoa, e, mais quatro tilápias depois, pergunto se quer fazer xixi, ele diz que não, quer mais suco de morango. Dou a ficha, ele vai sozinho ao bar, volta homenzinho com o suco. Uma menina vem admirar quando ele puxa mais uma tilápia, e depois vou ver as varas de espera que deixei numa lagoa maior. Quando volto, cadê ele?
Vou gritando seu nome, olhando a beirada das lagoas, a água, meu Deus, a água. Vou ao bar, grito Caetano, ele responde lá do sanitário: tô aqui, vô! Volto a lagoa, e logo ele vem, as calças molhadas de xixi:
— Não deu tempo, vô.
Vamos ao carro trocar sua roupa, a menina olhando de longe, ele se envergonha, diz que não quer mais pescar. Digo que então deve voltar à lagoa, sim, para dar de presente à menina nossa massa tão pescadeira. Ele diz que não, emburrado. Digo que ele deve, porque é assim que fazem os heróis.
— Todo herói tem sua fraqueza. O Super-Homem enfraquece perto dum a pedra verde chamada kriptonita. Sansão ficava fraco quando cortava o cabelo. O Homem-Aranha às vezes escorrega. Todo herói tem sua fraqueza.
Ele pensa, pega a bola de massa, vai dar à menina. Vamos ver as varas de espera, e lá está um pacu, que ele ajuda puxar rodando o molinete, todo feliz. Digo que é seu primeiro peixe grande, que está virando um grande pescador, e ele passa a caminhar com passos maiores.
Passando pela lagoa menor, a mãe da menina grita agradecendo, já pescaram três tilápias com nossa massa. A menina vem correndo e lhe dá uma bala, uma simples bala que ele vai levando no carro como se fosse uma medalha. Dorme. Em casa, deixo que continue dormindo no carro enquanto guardo as varas e os peixes. Depois cutuco para acordar, ele olha a bala na mão, vai correndo contar:
— Peguei oito peixes, vó! E ganhei uma bala!
Um herói.
Domingos Pellegrini. "A caneta e o anzol: histórias de pescaria"
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