sexta-feira, janeiro 9

Anotações de Leituras III


segunda 28

em tempos onde só a literatura me salva, cai-me nas mãos o velho Rosa e torno a entrar pelas portas escancaradas do sertão e suas intermináveis e encantatórias veredas, cercadas de língua e humanidade. com a voz arrebatada de Riobaldo a noite é cavalgada veloz: “eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

terça 3


Veia Bailarina, de Ignácio de Loyola Brandão, chega, sincrônica e oportunamente às minhas mãos e à minha leitura, numa surpreendente biblioteca de hospital. o ambiente é o mesmo: o drama literário e o drama real (o dele no livro, o meu em tempo real). a obra: um homem e seus medos diante de uma tijolada do destino, um escritor vestido de humanidade e de sua literatura. a leitora: a esperança de que a vida repita a saga do herói.

segunda 6

leio/ouço Hilda Hilst, Cadernos de Literatura, trazida pelas mãos dadivosas de outra poeta amiga. Hilda e sua poderosa voz, como jamais outra mulher o foi na poesia. a obscena senhora Hilda, amarga, linguaruda, pornográfica, erudita, profunda, elegante, erudita, poeta absolutamente indispensável

terça 14

pouca tinta, raros versos, muitos livros. beber do saber alheio que o próprio pouco vale (a prova disso é que surpreendo-me a plagiar a mim mesma – afinal, andamos sempre à roda dos mesmos temas - ou não?)

sábado 15

a literatura como modo de vida, misturada ao café da manhã, repartida com o dono da quitanda da esquina, esgueirando-se pelas notícias dos jornais diários, fabulando as mazelas cotidianas, dividida entre o capital e o trabalho, entre o real e o imaginário. em tardes frias assim, ouvir depoimentos de escritores que fizeram sua opção definitiva pela literatura é pílula estimulante

domingo 5

limpar e arrumar prateleiras de poesia assemelha-se, no meu caso, a tarefa de Sísifo. subitamente, o encontro com um livro mais querido impele-me a sentar no chão e... pronto, o pó fica ali, à espera de ser limpo. outra capa interessante aqui, outro título já esquecido na memória ali e, esquecida das horas, esqueço da arrumação, tarefa sempre recomeçada. a diferença: no mito grego a tarefa é infrutífera e eterna; no meu caso: deixa páginas e versos colados à memória e tem caráter de finitude, posto que é tarefa humana

terça 14

(re)leio o sempre amado poeta da minha infância, declamado, então, com devoção e, hoje, tão injustamente preterido. tudo com intuito de preencher com algum conteúdo este veloz meio de comunicação, ainda tão mal utilizado, que é a Internet

quarta 22

um dia a navegar. velejar num mar de livros, seduzida pelo desconto de 50% e comprar mais do que posso ou poderei ler, pelo fetiche, pela ideia apenas de que um dia, por eles estarem, assim, à mão, poderei lê-los.
Dalila Teles Veras( transcrito do extinto jornal Leitores&Livros)

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