“Circo”, recém lançado pela Editora InVerso, é um romance de Alckmar Santos que fala das relações das pessoas entre si e delas com o país, utilizando uma linguagem poética em que o ritmo e as imagens são também importantes para a história que se conta nele. Aliás, vale dizer que a história também é contada através do ritmo e das imagens.
Ambientado num período que vai de 1964 até os dias de hoje, ele traz três protagonistas que, em estilos distintos, se revezam na narração, cada um contando uma história sob sua perspectiva própria. É claro que a História também é personagem desse romance: a escolha das datas (de 1964 até os dias de hoje) não é casual. Pode-se pensar que o romance quer discutir que Brasil é esse em que uma geração que nasceu das lutas contra o regime militar, exerce o poder da maneira como vemos hoje, tentando um compromisso, impossível sempre, entre pragmatismo e utopia. De certa forma, é um romance que gira em torno de uma nostalgia do utópico, o que pode ser encontrado em quase toda obra literária digna desse nome.
Contudo, não se pense que Circo é livro político ou panfletário; se assim fosse, a consequencia seria a simplificação e o empobrecimento do romance. Se o Brasil de hoje é filho do de ontem, os personagens tentam também entender como se tecem e evoluem as relações, na família, entre filhos e pais (e, por extensão, no amor, entre homens e mulheres). De certa maneira, Circo tenta mostrar que o pessoal e o social nunca podem ser dissociados: o modo como vivemos o país é também o modo como vivemos no país; as tragédias ou as conquistas sociais também podem e devem ser vividas e entendidas como infortúnios e vitórias pessoais. É sob essa ótica que os protagonistas-narradores vão evoluindo ao longo do romance. O primeiro deles traz a voz de alguém que, quando adolescente, se envolve ingênua e ardorosamente com a política. Logo após o golpe militar, ele é preso, torturado e obrigado a fugir de sua pequena cidade, incorporando-se à trupe de um circo que passava por lá. O segundo é um personagem que nasce no início de 1965 e, nos dias de hoje, volta àquela mesma cidade, mas em situação bem diferente da de quando saiu, pois está desempregado, divorciado e sem mais contato com a filha. O prefeito da cidade oferece a ele uma função decorativa no governo, para que ele ajude a encobrir desvios e corrupção. Uma contraposição surge entre a narração de um e de outro: enquanto o primeiro conta sua história avançando no tempo, do começo ao fim, esse segundo faz o contrário e narra sua vida da atualidade para o passado, isto é, do fim para o começo.
Já o terceiro narrador é alguém que ficou na cidade e, em forma de diário, vai contando seu envolvimento com os demais personagens, esclarecendo os laços intrincados, dolorosos, apaixonados que se estabelecem entre eles. Em resumo, essa arquitetura narrativa em três vozes não é nada complexa, muito menos é fortuita ou improvisada: ao final, as relações entre os personagens são colocadas em evidência e o modo narrativo, o estilo de cada um deles adquire um sentido evidente.
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