Num dia nublado, mas luminoso, por volta das quatro da tarde de 1º de abril de 192... (um crítico estrangeiro observou certa vez que muitos romances, como a maioria dos alemães, começam com uma data, mas só os autores russos é que, fiéis à sinceridade peculiar de nossa literatura, omitem o dígito final), uma caminhonete, muito comprida e muito amarela, rebocada por um trator também amarelo, com rodas traseiras hipertrofiadas e uma anatomia descaradamente exposta, parou na frente do número sete da rua Tannenberg, na parte oeste de Berlim. A caminhonete trazia em sua fronte um ventilador em forma de estrela. Ao longo de toda a lateral, havia o nome da empresa de mudanças em letras azuis de um metro de altura, cada uma (inclusive um ponto quadrado) com um sombreado lateral em tinta preta: uma desonesta tentativa de escalar até a próxima dimensão. Na calçada, diante da casa (na qual eu também irei morar), duas pessoas paradas que obviamente saíram para receber sua mobília (na minha mala há mais manuscritos que camisas). O homem, vestido com um sobretudo áspero marrom-esverdeado ao qual o vento atribuía um ondular de vida, era alto, de sobrancelhas hirsutas e velho, com o grisalho da barba cor de ferrugem na área da boca, na qual prendia impassivelmente um toco de charuto meio desfolhado. A mulher, atarracada e não mais jovem, com pernas em arco e um rosto pseudochinês bastante atraente, usava casaco de astracã; o vento, ao rodeá-la, trouxe um vestígio de perfume bastante bom, embora igeiramente mofado. Os dois estavam imóveis, olhando fixamente e com tamanha atenção que pareciam a ponto de ser ludibriados pelos três sujeitos rudes, de pescoço vermelho e aventais azuis que batalhavam com sua mobília.
Algum dia, pensou ele, devo usar essa cena para começar um bom romance antiquado e volumoso. A ideia fortuita vinha tocada por uma ironia displicente; ironia, porém, bastante desnecessária, porque alguém dentro dele, em seu nome, independente dele, havia absorvido isso tudo, registrado e arquivado. Ele próprio só havia se mudado para ali hoje, e agora, pela primeira vez, na condição ainda desacostumada de residente local, saíra para comprar algumas coisas. Conhecia a rua e, de fato, todo o bairro: a pensão de onde se mudara não ficava longe; até agora, porém, a rua havia girado e deslizado para um lado e outro, sem nenhuma conexão com ele; hoje, ela de repente havia parado; de agora em diante, ia assentar como uma extensão de seu novo domicílio.
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