Christine Fontelles é cientista social pela PUC/SP com MBA em Marketing pela FIA/FEA/USP. Foi co-idealizadora do Instituto EcoFuturo, idealizadora do programa Ler é Preciso, realizado há 15 anos e voltado para criação e qualificação de políticas de inclusão na cultura escrita, e da campanha Eu Quero Minha Biblioteca pela universalização de bibliotecas públicas no País, a qual coordena.
Autora de diversos artigos publicados sobre os temas educação para a leitura, literatura e biblioteca, é integrante e conselheira do Movimento por um Brasil Literário e do conselho curador da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
Em entrevista à Plataforma Pró-Livro, ela fala sobre a importância de saber ler com gosto e competência e sobre a importância das bibliotecas para a sociedade brasileira. Ressalta ainda a importância da informação para que a sociedade civil e os gestores escolares possam lutar pela cultura do livro no Brasil
O que é a Campanha Quero Minha Biblioteca e quais são os principais objetivos dela?
Eu Quero Minha Biblioteca é uma campanha pela universalização de bibliotecas em escola. Queremos contribuir com a efetividade da Lei 12.244/10, que determina que todas as escolas públicas e privadas do Brasil devem ter sua biblioteca até maio de 2020. Ela foi lançada em 2012 com objetivo de divulgar informações que possam contribuir para políticas públicas de biblioteca. Produzimos cartilhas informativas para a sociedade civil, gestores escolares e gestores públicos. Nesses materiais estão listados, inclusive, quais recursos públicos podem ser pleiteados para bibliotecas. Trabalhamos, então, com divulgações de informações, além de termos uma agenda governamental em Brasília.
A escola, em muitos casos, é único meio de acesso à cultura e à educação. A Eu Quero Minha Biblioteca objetiva também trazer as comunidades para a luta pela criação de mais bibliotecas, reconhecendo o valor que esses espaços possuem. Há dinheiro público que pode ser investido sim, em alguns lugares há. Tem emenda parlamentar, tem os programas federais, o Mais Cultura. Temos que lembrar o tempo todo que o que fica fora do planejamento público não recebe orçamento. Com a informação em mãos, a sociedade pode se mobilizar para lutar por seus direitos. Tenho visto nossos materiais circulando pelas redes sociais e, em muitos deles, professores e bibliotecários estão marcando parlamentares, há um burburinho. Ano que vem tem eleições, estaremos em campo dizendo a importância de os candidatos incluírem as bibliotecas em seus planos de ação.
Quais são os principais desafios ao falarmos sobre a cultura do livro no Brasil?
Os desafios são inúmeros. A começar pelo fato de que 55% das escolas públicas não têm biblioteca e que em 90% dos municípios brasileiros não existem livrarias. A biblioteca, portanto, democratiza e possibilita o acesso aos livros. Muita gente comenta que a biblioteca só faz empréstimos de livros, mas se a gente pensar nesse contexto, ela então adquire um papel fundamental. No entanto, só formamos crianças e jovens leitores se tivermos famílias e professores que leem e incentivam o hábito. É uma construção. Então, os momentos de leitura nas escolas precisam estar presentes e ser realizados com diversas estratégias. Uma vez iniciados nessa trajetória, os alunos seguem lendo. O que precisa ser discutido o tempo todo no ambiente escolar, entre docentes e gestores, é o que deve ser colocado em prática para se obter o objetivo que se pretende alcançar.
Por que você acha que a pauta da ausência de bibliotecas em mais de 50% das escolas públicas e a desatualização dos acervos não é capaz, por si só, de sensibilizar a sociedade civil para a causa?
Porque ela vê valor nos livros. De uma forma geral, a sociedade brasileira não é consumidora de livros. Isso porque o repertório da leitura deve ser internalizado desde o útero materno. Na primeira infância temos que ter livros por perto, é importante ter essa jornada. Isso porque aprender a ler é um processo longo e que demanda muitas estratégias, mas não se tem muito essa noção da transversalidade da leitura. O que acaba acontecendo é que gente passa direto para a cultura de massa. Então, de um lado, os pais não leem para os filhos e, de outro, os professores vão pra escola sem ser leitores. Como desenvolver esse valor social com quase 500 anos sem ter essa experiência? Na escola, a literatura, em grande parte das vezes, está no território das respostas certas, ou seja, os alunos leem para responder questionários em vez de ter a oportunidade de construir um repertório sofisticado e ampliado sobre as leituras de determinado texto. Então, em vez de gostar de ler, a criança desenvolve uma raiva danada. Diante de experiências ruins ou da não experimentação da construção de senso crítico e de uma série de valores que são construídos a partir de boa experiências com a literatura, a sociedade desconhece o valor dela. Sem essa referência, ela não se sensibiliza para a causa.
No dia 21 será realizado o Diálogos 2017, evento do Movimento Brasil Literário, que vai reunir especialistas para debater o que só a literatura tem a nos oferecer. O Instituto Pró-Livro foi convidado para apresentar a Pesquisa Retratos da Leitura. Qual é a importância de levantamentos como os Retratos para a melhora dos índices de leitura do Brasil?
Na minha visão, a importância da Pesquisa se dá não só por seus dados, mas também sobre o que fazer a partir deles. O que a Retratos da Leitura faz é provocar, chamar a atenção para a necessidade de mudanças. Não podemos jamais usar as informações fornecidas por ela para sermos fatalistas. Se ela nos mostra que um dos escritores mais lidos do Brasil é Machado de Assis, o pensamento deve ser como podemos trabalhar outros textos de Machado ou a partir de Machado. Se nossos professores estão lendo pouco, o pensamento deveria ser como organizar os ambientes escolares de modo a oferecer mais oportunidades formativas aos docentes, e por aí vai. O Diálogos 2017 será um ambiente de troca de informações e de discussões sobre como podemos sair do lugar. Já passamos da hora de ampliar a discussão sobre a importância da leitura. É necessário promover debates de qualidade sobre como formar leitores e sobre como fazer a sociedade brasileira perceber, de fato, valor nos livros.
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