A verdade é que o livro tradicional continua aí, firme e forte. Além disso, os e-readers não fazem parte do cotidiano de muita gente. Segundo a consultoria Euromonitor, 131 milhões de aparelhos foram vendidos no mundo desde 2007. Após um pico em 2011, as vendas só caíram (ver gráfico abaixo).
Além disso, segundo dados da Câmara Brasileira do Livro (CBL), os e-books – o conteúdo que motiva a compra desses aparelhos – representaram apenas 1,09% da receita das editoras no País em 2016. Ao todo, 2,75 milhões de e-books foram vendidos aqui em 2016, contra 39,4 milhões de livros de papel.
Tropeços. Há diversos motivos para a revolução prometida pelo Kindle – e seus rivais, como o Kobo, da Rakuten, e o Lev, da Saraiva – não ter acontecido. O primeiro deles é que há leitores que simplesmente não conseguem se acostumar. “O livro de papel tem uma dimensão artística e aspectos sensoriais, como tato e olfato; o e-reader, não”, diz Thiago Salla, professor de Editoração da Universidade de São Paulo.
Além disso, por ser um dispositivo dedicado à leitura, o leitor eletrônico tem um público-alvo reduzido. São poucas as pessoas que topam pagar caro por algo que não vão usar tanto. Nos EUA, a média de leitura é de 12 livros por ano. No Brasil, o cenário é pior: a média é de 4,96 livros lidos por ano. “A falta de leitores é um problema histórico do nosso mercado e não mudou com o livro digital”, diz Luís Antonio Torelli, presidente da CBL.
Outro fator que mudou a rota do e-reader foi o smartphone, que também ganhou impulso em 2007, com o iPhone. Se no início esses aparelhos tinham poucos recursos e telas pequenas, pouco convidativas à leitura, hoje eles se tornaram “canivetes suíços” contemporâneos com telas gigantes de até 6 polegadas.
Para Elton Morimitsu, analista da Euromonitor, os smartphones tornaram os e-readers menos atraentes. “O consumidor está disposto a investir em um aparelho que agrega diversas funções”, diz.
É por isso que hoje, em vez de falarem só nos dispositivos, as fabricantes de e-readers preferem o termo “ecossistema de leitura digital”, que compreende também apps para leitura em dispositivos móveis e nos PCs. Hoje, segundo Samuel Vissotto, diretor da Kobo na América Latina, 75% do tempo gasto pelos leitores da Kobo é no aplicativo, contra 25% nos e-readers.
É evidente que há diferenças de experiência entre o smartphone e o e-reader. “O celular não foi desenhado para a leitura e oferece distrações aos usuários, como redes sociais e jogos”, diz Arthur van Rest, diretor global de Kindle na Amazon. “É a diferença entre a leitura casual e a leitura dedicada.”. A existência do smartphone, porém, permite que os usuários flertem com a leitura digital, sem precisar firmar um relacionamento sério com um leitor eletrônico.
Resistência. Nesse cenário complexo, impressiona o lançamento de novos modelos de leitores eletrônicos todos os anos. A explicação está no fato de que o usuário do e-reader é um bibliófilo – capaz de ler (e comprar) muitos livros. Isso faz as empresas ganharem não com hardware, mas com conteúdo.
Segundo a Kobo, quem tem e-reader compra o dobro de e-books que aquele que só usa o aplicativo da empresa. Na Saraiva, quem tem um Lev compra 20% mais livros de papel e e-books. Já na Amazon, quem navega entre diferentes formatos consome três vezes mais livros. “O mercado tinha receio do digital canibalizar o livro físico. Aconteceu o contrário: eles se complementam”, diz Gustavo Mondo, gerente de e-commerce da Saraiva.
Epílogo. No futuro, o e-reader parece ter dois caminhos. Ou segue vivo, como um objeto de nicho, mas rentável o suficiente para se manter de pé; ou será “morto” pelo smartphone. “Ainda acho que o e-reader tem seu tempo de vida, mas a curva de inovação nos smartphones e suas telas pode mudar esse jogo”, diz Vissotto, da Kobo. “Se eu tiver um celular com tela realmente boa de leitura, que não canse a vista, e uma configuração para desligar notificações, a experiência será bem parecida com o e-reader.”
Em entrevista ao Estado em 2010, o filósofo Umberto Eco defendeu que o livro de papel seria um objeto eterno, como a colher, o machado e a tesoura. Na época, foi bastante criticado, mas hoje, sua visão integrada (e nada apocalíptica) parece mais próxima da verdade. Por ironia do destino, quem deveria “matar” o livro de papel pode, na verdade, morrer primeiro que ele. Sinal dos tempos.
Bruno Capelas e Andre Klojda (O Estado de S. Paulo)
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