Agora sou um cidadão americano e moro em Washington, capital do mundo. Muita gente, tanto aqui como na Índia, vai achar que me dei bem. Mas.
Eu era feliz em Bombaim. Era respeitado, tinha certa posição. Trabalhava para um homem importante. As pessoas mais respeitadas vinham aos meus aposentos de solteiro, desfrutavam minha comida e me cobriam de elogios. Eu também tinha meus amigos. Nós nos encontrávamos de noite no pátio sob a galeria de nossos aposentos. Alguns de nós, como o entregador do alfaiate e eu mesmo, eram empregados domésticos que moravam na rua.
Os outros eram pessoas que vinham àquele pedaço de pátio para dormir. Pessoas respeitáveis; não incentivávamos a presença de nenhum zé-ninguém.
De noite fazia frio. Havia poucos passantes e, fora algum táxi ou ônibus de dois andares esporádico, havia pouco trânsito. O pátio era varrido e lavado com esguichos de água, traziam as roupas de cama dos abrigos diurnos para o ar livre, acendiam pequenos lampiões. Enquanto as pessoas no primeiro andar conversavam e riam, no pátio líamos os jornais, jogávamos cartas, contávamos histórias e fumávamos. O cachimbo de barro passava de um amigo para o outro; ficávamos sonolentos. Exceto, é claro, na época das monções, eu preferia dormir no pátio com meus amigos, embora em nossos aposentos houvesse um cubículo inteiro, embaixo da escada, reservado para meu uso pessoal.
Depois de uma noite saudável ao ar livre, era bom acordar antes do sol e antes da chegada dos varredores. Às vezes eu via as lâmpadas da iluminação da rua se apagarem. As roupas de cama
eram enroladas; ninguém falava muito; e logo meus amigos corriam, numa competição silenciosa, para vielas isoladas, becos e terrenos baldios a fim de se aliviarem. Eu era poupado de tal competição; em nossos aposentos, eu dispunha de instalações sanitárias.
Mais tarde, durante mais ou menos meia hora, eu ficava livre para simplesmente passear. Gostava de caminhar à beira do mar da Arábia, à espera do nascer do sol. Nessa hora a cidade e o oceano rebrilhavam como ouro. Que saudades daquelas caminhadas matinais, daquele súbito deslumbramento do oceano, da brisa úmida e salgada no meu rosto, da minha camisa que sacudia ao vento, do primeiro chá doce e quente tomado numa barraquinha, o sabor do primeiro cigarro de palha.
Vejam os caprichos do destino. O respeito e a segurança que eu desfrutava deviam-se à importância de meu patrão. Foi essa mesma importância que destruiu, de um só golpe, o padrão da minha vida.
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