O bicho da literatura mordeu-me cedo e, por isso, aprendi a ler e escrever com uma febre que não pus em mais nada o resto da vida: fui sempre um zero a Matemática, nunca tracei duas paralelas que não se encontrassem, sou uma nódoa (literalmente) na cozinha, só passei no exame de condução com 40 anos e mesmo nas coisas do amor fui bastante trôpega, só conseguindo que alguém se casasse comigo aos 45 (a minha poesia, aliás, fala muito disto).
Além de aos meus pais, devo, pois, à escola primária a minha escrita mais bonita - e não estou a falar de caligrafia (embora não me esqueça daquele calo azul por causa da caneta de tinta permanente), mas de aprender a dar música e emprestar imagens às palavras, o que se revelou de extrema utilidade quando, por ser a última da ninhada e nunca ter tempo de antena, fiz umas quadras que impressionaram os adultos e os levaram a conceder-me um nadinha mais de atenção. (Mal eu sabia que inaugurava então a minha carreira nas letras.)
Hoje contam-me que a poesia é um bicho-de-sete-cabeças para qualquer estudante, mesmo no Secundário. Recentemente, um professor pediu-me que fosse explicar aos seus alunos do 11º ano que a poesia não é nenhum papão. Tentei, juro. Mostrei-lhes como se podia dizer uma coisa banalíssima com a máxima beleza e, vendo-os sem reacção, avancei com o golpe baixo de que um poema até serve para seduzir ou, em caso de tampa, lamber feridas, lendo vários exemplos com o cuidado de evitar a palavra «seios», que habitualmente dá azo a risinhos. A seguir, passei-lhes a bola: que perguntassem o que lhes apetecesse. Pois só quiseram saber quanto se ganhava com a poesia, se o trabalho que se tinha a encontrar rimas compensava e porque não passava eu a escrever em inglês, podendo assim vender livros em todo o mundo e receber mais dinheiro. Adeus, futuro.
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