Victoria Kirdy |
A criança desaparece – plim – quando os olhos espiam um gramado e não sentem uma vontade incontrolável de procurar tatu-bolinha. Quando passa a classificar hambúrguer como comida, e não algo divertidíssimo que, se a gente apertar aqui, sai um molho ali, uma alface acolá, até saciar o desejo de sujar todos os dedos das mãos e o redor da boca num tanto que não há guardanapo que dê jeito.
A criança pede as contas em caráter inegociável quando o cidadão acha que passarinho é apenas uma entre todas as criaturas da Natureza. Dá-se conta de uma hora para outra que a camisa xadrez não combina de jeito nenhum com a calça listrada e que não se deve misturar pares de meia. Adeus criança, se a pessoa vê uma mangueira furada, espirrando água, e não pula na frente para se molhar toda.
Se o pobre vê na praça uma bola vir pingando em sua direção e a despreza, deixando-a passar, sem tentar um chute no gol ou uma matada que faria os dois times carregá-lo em triunfo, é que a alma já murchou, ocupada com imposto de renda e reuniões de condomínio. Adeus, quando a pessoa detalha como quer que o cabelo seja cortado.
Deixa-se de ser criança quando a paixão pela professora do primário vira respeito. No dia em que começa a achar graça em banho. Se trânsito vira assunto. Quando se sabe que, ao fim de um eclipse, a luz do sol voltará, tudo será como sempre foi, e não o início de uma noite eterna, sem sossego para vagalumes e fantasmas. No momento em que a vitória do mocinho sobre o bandido não é mais saudada por palmas entusiasmadas e gritos de pé na poltrona do cinema.
Morre a criança quando nasce a vergonha.
Lá vai a criança se afastando no trem quando você deixa de se encantar com trens. Olha para o lustre de madrugada e enxerga tão somente um lustre, não uma mistura de vampiro, aranha e polvo voador. Ou sonha com a menina bonita da classe e acha que não tem a menor chance porque não passa de um crianção. Chega no caixa da padaria e não é tomado por uma estranha hipnose pelo pacote de jujuba.
Mas, definitivamente, a gente deixa de ser criança quando os pais nos deixam para ir morar num mundo lá que eles creem – eles, que, nunca deixaram de nos enxergar como uma linda (mesmo careca), inocente (mesmo imaginando coisas com a professora), brilhante (mesmo matando bolas e chances na canela), corajosa (mesmo vendo coisas em eclipse, lustres e sombras) e eterna criança.
Cássio Zanatta
A criança pede as contas em caráter inegociável quando o cidadão acha que passarinho é apenas uma entre todas as criaturas da Natureza. Dá-se conta de uma hora para outra que a camisa xadrez não combina de jeito nenhum com a calça listrada e que não se deve misturar pares de meia. Adeus criança, se a pessoa vê uma mangueira furada, espirrando água, e não pula na frente para se molhar toda.
Se o pobre vê na praça uma bola vir pingando em sua direção e a despreza, deixando-a passar, sem tentar um chute no gol ou uma matada que faria os dois times carregá-lo em triunfo, é que a alma já murchou, ocupada com imposto de renda e reuniões de condomínio. Adeus, quando a pessoa detalha como quer que o cabelo seja cortado.
Deixa-se de ser criança quando a paixão pela professora do primário vira respeito. No dia em que começa a achar graça em banho. Se trânsito vira assunto. Quando se sabe que, ao fim de um eclipse, a luz do sol voltará, tudo será como sempre foi, e não o início de uma noite eterna, sem sossego para vagalumes e fantasmas. No momento em que a vitória do mocinho sobre o bandido não é mais saudada por palmas entusiasmadas e gritos de pé na poltrona do cinema.
Morre a criança quando nasce a vergonha.
Lá vai a criança se afastando no trem quando você deixa de se encantar com trens. Olha para o lustre de madrugada e enxerga tão somente um lustre, não uma mistura de vampiro, aranha e polvo voador. Ou sonha com a menina bonita da classe e acha que não tem a menor chance porque não passa de um crianção. Chega no caixa da padaria e não é tomado por uma estranha hipnose pelo pacote de jujuba.
Mas, definitivamente, a gente deixa de ser criança quando os pais nos deixam para ir morar num mundo lá que eles creem – eles, que, nunca deixaram de nos enxergar como uma linda (mesmo careca), inocente (mesmo imaginando coisas com a professora), brilhante (mesmo matando bolas e chances na canela), corajosa (mesmo vendo coisas em eclipse, lustres e sombras) e eterna criança.
Cássio Zanatta
Nenhum comentário:
Postar um comentário