sexta-feira, janeiro 22

Assombração

Uma noite, ao receber a visita de uma amiga, lembrei-me de lhe emprestar um romance. Fora a minha leitura da véspera, e eu o deixara na mesinha de cabeceira. Subi a escada, e entrei no quarto. Curioso. Alguém acendera a luz... E no entanto, eu estava certa de que ninguém subira. Caminhei intrigada, pressentindo qualquer acontecimento... Olhei minha cama e vi nela uma mulher deitada. Uma mulher... morta – ela... estava morta! tinha um horrível vestido de lantejoulas de todas as cores, a aparecia coberta de joias baratas.

Suando frio, procurando dominar o coração desordenado, cheguei mais perto. Meu Deus! Aquela face nojentamente pintada era a minha própria face! Como se alguém fizesse de mim um retrato de degradação... Meu próprio rosto... mais velho – muito mais velho! – com maqulagem de atriz decadente! Queria gritar... chamar todos... Não me foi possível. Fiquei fascinada, encarando aquele meu próprio eu degradado e envelhecido, coberto de joias. De súbito, à altura do coração, de sob as lantejoulas, principiou a correr um esguicho de sangue, que ia engrossando, que se tornava maior. Nele, iam submergindo o colo, os braços, o corpo, a longa saia rutilante de meu terrível “double”. A mulher estava coberta de sangue, e seu rosto dele se destacava estranhamente branco, como a face de um pierrô trágico.

Então... ah, só então eu consegui gritar. Voltei correndo... mas, junto da escada, perdi os sentidos.

Dinah Silveira de Queiroz, "As Noites do Morro do Encanto"

Nenhum comentário:

Postar um comentário