Hilda não desistia, bradava até trair seu pessimismo, não se conformava, ia até a crônica revolver o balaio das sordidezes humanas para lhes fazer subir o cheiro bem na hora em que alguém se debruçasse ali. Funcionava. Uma gente chocada escrevia para o jornal. Hilda apostava em doses cavalares de espanto explícito para tentar acordar a alma do leitor, como numa ressurreição por eletrochoque.
Venha cá ver o país como fede, pornograficamente faminto, ostentando seus revólveres, suas malas cheias de dinheiro e seus esquadrões da morte. Vamos ver até onde o leitor aguenta. Furiosa, a cronista quer ferir pelo riso ácido se é que a dor do horror já não fere nem comove. Quer ser repugnante, quer ser escabrosa, e tão repugnante, tão escabrosa, a ponto de provocar a nostalgia da beleza.
Acontece que fomos e continuamos a ser levados a níveis de repugnância cada vez mais baixos e, às podridões de 1990, juntaram-se incontáveis e inomináveis outras que, no fundo, como reação ao nojo, ou, mais do que ao nojo, como reação à loucura muito próxima, acabam nos provocando é a nostalgia do esquecimento.
Então aqui vai este bilhete para você que é escolada em transcomunicação. Algumas notícias atualizadas do homo maniacus para você, Hilda, onde quer que você agora se ocupe de refulgir na infinita escuridão cósmica:
Atiradores aleatórios no topo de árvores não estão mais apenas dentro de uma página de Hermann Hesse. Lori Lamby também já andou passeando fora do seu caderno rosa e a mulher do verdugo desceu do palco junto com a turba canibal. O teatro de Nelson Rodrigues voltou a ser destaque nas livrarias. A poesia de Primo Levi pela primeira vez publicada no Brasil também tem tido boa saída. E você nem pode imaginar, nem eu quero lhe contar, o que tem acontecido com os bichos no nosso antiparaíso verde-amarelo, os bichos, os poetas, os artistas. Quantos já enlouqueceram e quantos mais andam mal pendurados pelas bordas. Um quadro de Bosch espetacularmente contemporâneo. Mas você já não pode ver nada disso com os próprios olhos. Que bom. Que sorte a sua, Hilda.
Mariana Ianelli
Acontece que fomos e continuamos a ser levados a níveis de repugnância cada vez mais baixos e, às podridões de 1990, juntaram-se incontáveis e inomináveis outras que, no fundo, como reação ao nojo, ou, mais do que ao nojo, como reação à loucura muito próxima, acabam nos provocando é a nostalgia do esquecimento.
Então aqui vai este bilhete para você que é escolada em transcomunicação. Algumas notícias atualizadas do homo maniacus para você, Hilda, onde quer que você agora se ocupe de refulgir na infinita escuridão cósmica:
Atiradores aleatórios no topo de árvores não estão mais apenas dentro de uma página de Hermann Hesse. Lori Lamby também já andou passeando fora do seu caderno rosa e a mulher do verdugo desceu do palco junto com a turba canibal. O teatro de Nelson Rodrigues voltou a ser destaque nas livrarias. A poesia de Primo Levi pela primeira vez publicada no Brasil também tem tido boa saída. E você nem pode imaginar, nem eu quero lhe contar, o que tem acontecido com os bichos no nosso antiparaíso verde-amarelo, os bichos, os poetas, os artistas. Quantos já enlouqueceram e quantos mais andam mal pendurados pelas bordas. Um quadro de Bosch espetacularmente contemporâneo. Mas você já não pode ver nada disso com os próprios olhos. Que bom. Que sorte a sua, Hilda.
Mariana Ianelli
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