Hoje eu quero ler um daqueles escritores sobre os quais ninguém mais fala. Um daqueles esquecidos como as casas sem visita sobre as quais nascem outras casas feitas de plantas e bichos. Quero visitar esse esquecido sem vaidade de senhor de garimpo, com discrição mútua, assim, sem nem citar seu nome. Visitá-lo sem deixar maiores registros, como quem desaparelhado de repente se sente vivendo a coisa a nu e por inteiro, abrindo à mão uma picada através do mato alto, sem brinco de ouro a perder nessa visita, sem alardes de oferenda.
Quero visitar esse que passou ao largo dos mais importantes, dos mais representativos, dos mais originais, dos mais o que quer que seja. Esse que tanto se ocupou de viver, e tanto se ocupou de escrever, que acabou se despreocupando de ser visto, esculpido em bezerro. Quero visitá-lo por motivos de uma singular relação entre leitor e livro, como que se pode dizer?, como que por magnetismo.
Hoje eu quero ler apenas como quem visita um velho solitário amigo, a quem outro amigo vê graça até nos defeitos, nas idiossincrasias, nos assuntos mórbidos, no mau humor repentino. Um velho solitário amigo de ambições e confabulações afinal ambas igualmente comoventes. Hoje quero estar com ele humanamente, sem interesse outro que não esse, de dois que se encontram humanamente, em nada alterando a ordem do universo, como se isso fosse a coisa mais fácil, como se isso fosse a coisa mais simples.
Mariana Ianelli
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