Salto da cama, corro a abrir a janela: o céu vai-se fazendo claro por detrás dos edifícios, passarinhos cantam, no andar de baixo um despertador começa a tocar. Algumas janelas, aqui e ali, continuam acesas, esquecidas da noite que se foi. Trava-se no ar uma luta silenciosa entre as sombras e a luz de novo dia.
Entro no chuveiro frio, visto-me e saio para a rua: aconteceu finalmente o que há muito espero, ou seja: a oportunidade de ver o dia nascer já tendo dormido.
“Só tem índio!” – verificou uma assustada senhorita de nosso society, quando pela primeira vez se arriscou a enfrentar as ruas do bairro, ao amanhecer. Realmente, verifico que os habitantes deste mundo matinal são diferentes e têm qualquer coisa de outra raça, no humilde cumprimento das primeiras obrigações do dia. Portas
que se abrem; o jornaleiro da esquina instalando a sua banca; duas mulheres de braços cruzados, certamente indo para a missa; o garçom do botequim me servindo a primeira média com pão e manteiga. Não há nada de extraordinário nos gestos regulares e na silenciosa determinação de cada um. No entanto, parece que surpreendo neles um secreto e primitivo ritual do cotidiano, adquirido em séculos de submissão ao sábio princípio de que a noite foi feita para dormir, a que se esquivam impenitentes notívagos como eu.
Acendo um cigarro e vou andando. Já é pleno dia. Vou andando ao longo da praia meio desapontado por não ver pescadores de arrastão, nem barcos, nem nada que, no dizer dos madrugadores, faz mais pitoresca a manhã. Mas não trago comigo nenhuma das preocupações de ontem – não estou inquieto, nem excitado, nem ao menos na expectativa conformada do que me trará um novo dia. Estou desprevenido, inocente e de coração leve, despojado do homem velho como se tivesse renascido com o amanhecer, para um mundo sem problemas.
Sei que o dia há de envelhecer como o de ontem e a noite virá, trazendo a lembrança do que sou. Mas por enquanto não passo de um animal feliz trotando pela praia numa manhã de sol.
Fernando Sabino
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