A primeira noite no internato não dormiu bem. A mangueira lá fora sob a claridade da lua projetava com os galhos figuras estranhas na parede do dormitório. A chuva que caiu forte fez barulho no telhado. O vento uivou por entre a folhagem da mangueira. Os ruídos que chegavam de fora entravam no dormitório pelas gretas da janela. Teve medo. A noite tremia dentro dele com sombras e rumores. Que seria o mundo para ele dali para frente?
Levava consigo as lembranças que cada um carregava de sua cidade para onde fosse: gestos, gostos, cores, bichos, sustos esplêndidos, risos com os amigos, pois era assim que respirava o dia na aventura da vida, lá no chão de seu nascimento, portando a flor do sol acesa no peito nu pelas ruas da fantasia e alegria. Recordou mergulhos e pescarias que fazia com a turma de amigos no rio de vertentes puras e claríssimas, o vaivém do jogo de bola nos campinhos improvisados dos terrenos baldios e o roubo constante de frutas maduras nos quintais espalhados pela sua cidade amada, que de tão enlameada com a chuva grossa de inverno sujava os sapatos dos seus habitantes, atolava os carros na rua.
Houve naquela primeira noite do internato sombras que envolviam um pássaro com a plumagem do temor. Um pássaro que de repente se sentiu aprisionado, em vão tentara se libertar para voltar à paisagem da terra natal, no espaço sem voo ficava dando agora com as asas de encontro às paredes da gaiola. Sentia que o calendário reservado pelo tempo para ele era agora diferente, descortinava no caminho comprido só estudo, disciplina e reza. Atrás, na sua pequena cidade, o tempo se encarregaria de esfumar todas as manhãs do mundo tecidas nos eternos fios do sonho, com as brincadeiras pontilhadas na aventura feita com delícia e liberdade.
Não mais o tempo se apresentaria com suas mil línguas de chuva para arejar o dia com o cheiro cheiroso de terra molhada, nem daria uma sensação especial quando o sol resvalasse nos seres e coisas com o brilho de sua flor gigantesca aberta no céu. Não mais saberia do convite que o tempo costumava fazer para correr e ampliar-se na ciclagem de prazer que o coração nutria em si mesmo, em pulsações generosas, que pareciam não ter término.
Cyro de Mattos
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