Ele recorda esse momento em uma atmosfera bem macondiana, o parque García Sanabria em Santa Cruz de Tenerife. Entrou em contato com a literatura do Nobel enquanto estudava com o professor Daniel Duque no Instituto Cabrera Pinto de La Laguna. Duque o pôs a trabalhar em Ninguém Escreve ao Coronel, e foi em uma dessas aulas que ouviu pela primeira vez o nome de Aracataca, onde se sucedem a chuva, as borboletas, as grandes árvores, as pedras pré-históricas, a fábrica de gelo e outros milagres que compõem o mundo de Macondo e de Cem Anos de Solidão. A partir daí leu esse livro cuja existência foi sua obsessão como aluno de Harvard e, agora, como professor e pesquisador em Austin (Texas), onde está guardado o imenso arquivo de Gabriel García Márquez.
Uma consequência desta obsessão com o que aconteceu em Macondo é Ascenso a la Gloria, Biografía de ‘Cien Años de Soledad’ (Ascensão à Glória, biografia de Cem Anos de Solidão) que acaba de ser lançado em inglês (Columbia University Press) e cuja versão em espanhol ele está preparando. “Fiquei fascinado com a fluência do livro, e, na minha adolescência, com as descrições da vida sexual dos personagens, dos cheiros... Na minha terra é fácil ter essa sensação de que você está naquilo que se conta em Cem Anos de Solidão.”
Será que todo leitor desse romance vê no livro algo que lhe diz respeito? “Esse é o grande segredo do romance e a grande dificuldade do que em literatura significa escrever. Na entrevista que concedeu a Luis Harss [autor de Los Nuestros, o primeiro estudo sobre o que acabaria sendo chamado de boom] García Márquez, que ainda não o tinha escrito, já conta que se sente capaz de escrever um romance que integrasse o sensível, o herói, as batalhas, o amor, o drama, a comédia, a tragédia, a alegria. São os elementos necessários para conseguir algo que chegue a muitos leitores... Como diz Natalia Ginzburg, nos anos 60 o romance burguês estava em crise e García Márquez inovou a partir do regresso ao passado. Como comenta Domingo Pérez Minik, Gabo propõe uma obra revolucionária porque devolve o romance à sua essência mais básica, que é narrar.”
“Ele sofre quando escreve o romance. Passou necessidade. Já havia fechado contrato com Carmen Balcells e sabia que o boom estava em andamento. Tento decifrar em meu livro o que aconteceu no verão de 1965 para que Gabo se sentasse para escrever o romance. Carmen Balcells viaja de Barcelona para a Cidade do México e se reúne com todos os editores e escritores para fechar contratos com eles. [José Manuel] Caballero Bonald lhe havia contado em 1962 que aquele jovem escritor andava por aí… É visível. Seus livros estão vendendo e ele está convencido de que aquele que o mantém sem dormir será uma porrada. E diz a Plinio Apuleyo: ‘Este é o nosso momento’. Santana-Acuña relata os estados de espírito de Gabo, sua obsessão por não perder tempo, e em junho de 1966 ele fez uma leitura no México. O jornal que noticia essa leitura na UNAM o anuncia como Gabriel García. Ele queria que “aqueles que não me conhecem digam se gostam ou não... E foi então que se convenceu de que o romance era bom”. “Fabuloso”, disse o editor da Sudamericana, Paco Porrúa. E teve início um enorme boca a boca.
Sem um dado fora de lugar, como um entomologista espetando borboletas, Santana-Acuña conta a história de sucesso do clássico do século XX. “É um livro raivosamente humano. Gabo não escreveu apenas um bom romance. Ele publicou muitos bons romances. E você tem como escolher”. Em nenhum, aliás, choveu tanto, e foi isso que ele sentiu quando decidiu fazer seu trabalho sobre a ascensão de Cem Anos de Solidão à glória enquanto chovia em Harvard como outrora chovera em Macondo. E como tantas vezes chove em La Laguna.
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