Não é só o português que os brasileiros falam — musical, gracioso, sexy, humorístico, brincalhão, metediço, encantador — mas a maneira como eles vão construindo a língua à medida que falam, como se tivessem vindo do dentista e, estando a passar a anestesia camoniana, se pusessem a explorar a língua e o interior da boca, para ver onde se consegue meter, para descobrir até aonde pode ir.
É a língua portuguesa em liberdade, muito novinha, ainda a decidir o que quer ser.
Mas, como se verá, é difícil para caramba escrever em português. Lembrei-me dos nadadores-salvadores brasileiros que havia na Praia Grande, que ficavam escandalizados com a maneira como os basbaques olhavam para as mulheres. Um deles estava sempre a abanar a cabeça e a protestar: “Isto no Brasil é assédio!”
Saindo anteontem da padaria, dei com três brasileiras que iam para a escola. Iam mesmo à minha frente, de passo apressado, muito bem-dispostas — a rir-se tanto que tinham de parar para deixar escapar o riso.
Mas como é que se podia escrever isto sem parecer assédio? Não podia dizer que fui atrás de três brasileiras ou que segui três brasileiras pela rua abaixo — apesar de ter sido isso que aconteceu.
E eis que surge uma lição que os brasileiros nos ensinaram: só um português teria este problema.
É o eterno problema do “parecer mal”. Um brasileiro acharia graça à possibilidade de um mal-entendido. Um sexagenário português que persegue três adolescentes brasileiras, para mais a pensar em Drummond de Andrade e em Cesariny, é bom demais para ser desperdiçado.
Não é só a língua que falamos que agradece, mas é importantíssimo: considero cada brasileirismo que apanhei não só como uma honra, mas como uma prova de abertura e de flexibilidade.
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