Vésperas do ano novo. Chegou até nosso barracão um bando de moleques da aldeia, trazendo um grande barco de papel.
Começaram, com suas vozes agudas e alegres, a cantar a calanda:
São Basílio chegou de sua terra natal, Cesareia.Ele lá está, diante dessa pequena praia cretense azul-índigo.Apoiava-se em seu bastão, o bastão logo se abriu de folhas e flores, e o canto do ano novo soou:Que sua casa, mestre, seja cheia de trigo, azeite, vinho;Que sua mulher sustente, como uma coluna de mármore, o teto de sua casa;Que sua filha se case e tenha nove filhos e uma filha;E que seus filhos libertem Constantinopla, a cidade de nossos Reis!Feliz ano novo, cristãos!
Zorba escutava, maravilhado; havia tomado o tamborim das crianças e o fazia ressoar freneticamente.
E olhava, escutava, sem dizer nada. Sentia cair de meu coração uma outra folha, um outro ano. Fazia um passo a mais em direção da poça negra.
— Que há com você, patrão? — perguntou Zorba que cantava a plenos pulmões com os moleques e batia no tamborim. — Que há com você? Você está com a pele escura, você envelheceu. Eu, em dias assim, viro menino, eu renasço como o cristo. Ele não nasce todos os anos? Comigo é igualzinho.
Estendi-me sobre minha cama e fechei os olhos. Essa noite estava de mau humor e não queria falar.
Não podia dormir, como se tivesse, essa noite, que prestar conta de meus atos, toda a minha vida subia, rápida, incoerente, incerta, como um sonho, e eu olhava desesperado. Como uma nuvem emplumada, batida pelos ventos das alturas, minha vida mudava de forma, se desfazia e se recompunha. Ela se metamorfoseava — cisne, cão, demônio, escorpião, macaco — e sem cessar a nuvem e esgarçava e se unia, cheia de arco-íris e de vento.
O dia nasceu. Não abri os olhos; eu me esforçava para concentrar meu desejo ardente, romper a carapaça do cérebro e entrar no obscuro e perigoso canal por onde cada gota humana vai se juntar ao grande oceano. Tinha pressa em rasgar esse véu para ver o que me trazia o ano novo...
— Bom dia, patrão, feliz ano novo!
A voz de Zorba jogou-me brutalmente em terra firme. Abri os olhos e ainda vi Zorba atirar sobre o chão da entrada do barracão uma romã enorme. Os frescos rubis saltaram até minha cama, apanhei alguns e comi, e minha garganta refrescou-se.
— Desejo que ganhemos muito e que sejamos raptados por belas moças! — gritou Zorba de bom humor.
Lavou-se, barbeou-se, vestiu suas melhores roupas — calças verdes de pano, casaco de burel grosso marrom e jaqueta de pele de cabra, já meio roçada. Botou também seu barrete russo de astracã, torceu os bigodes e disse:
— Patrão, vou até a igreja, como representante da companhia.
Não perderei nada com isso, hein! E depois, fará passar o tempo.
Inclinou a cabeça e piscou o olho.
— Talvez eu veja também a viúva — murmurou.
Deus, os interesses da companhia e a viúva formavam uma mistura harmoniosa aos olhos de Zorba. Ouvi seus passos se afastarem, e pulei da cama.
O encantamento estava rompido, minha alma reencontrou-se trancada em sua prisão de carne.
Vesti-me e fui até a beira do mar. Andava depressa e estava alegre, como se estivesse escapado de um perigo ou de um pecado.
Meu desejo indiscreto da manhã de espionar e capturar o futuro antes que nascesse, apareceu-me subitamente como um sacrilégio.
Lembrei-me de uma manhã em que encontrei um casulo preso à casca de uma árvore, no momento em que a borboleta rompia o invólucro e se preparava para sair. Esperei algum tempo, mas estava com pressa e ela demorava muito. Enervado, debrucei-me e comecei a esquentá-lo com meu sopro. Eu o esquentava, impaciente, e o milagre começou a desfiar diante de mim em ritmo mais rápido que o natural. Abriu-se o invólucro e a borboleta saiu se arrastando. Não esquecerei jamais o horror que tive então: suas asas ainda não se haviam formado, e com todo o seu pequeno corpo trêmulo ela se esforçava para desdobrá-las. Debruçado sobre ela, eu ajudava com meu sopro. Em vão. Um paciente amadurecimento era necessário e o crescimento das asas devia se fazer lentamente ao sol; agora era muito tarde. Meu sopro havia obrigado a borboleta a se mostrar, toda enrugada, antes do tempo. Ela se agitou, desesperada, e alguns segundo depois morreu na palma de minha mão.
Creio que esse pequeno cadáver é o maior peso que tenho na consciência. Pois, compreendo atualmente, é um pecado mortal violar as leis da natureza. Não devemos apressar, nem nos impacientar, mas seguir com confiança o ritmo eterno.
Sentei-me sobre um rochedo para assimilar com toda tranquilidade esse pensamento no ano novo. Ah! Se essa borboleta pudesse esvoaçar sempre diante de mim, e me mostrar o caminho.
Nikos Kazantzakis, "Zorba, o Grego"
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