segunda-feira, dezembro 11

Os cães latiam na espuma


Eu disse que iria procurar a companheira para voltar com ela
antes que a noite chegasse.
O mar escurecia tão depressa que muitas ondas já
arrebentavam dentro da noite.
Eu prometi aos amigos que voltaria sem demora para
aproveitarmos até o fim o espírito das águas.
O vento levantava o vestido da companheira e nós íamos sentados
num trenó que puxavam os cães invisíveis na espuma.
No alto das ondas uma tristeza nos veio não sei se do passado
ou do fundo da memória.
Mas vi que seríamos menos felizes andando devagar.
Então os cães invisíveis correram mais depressa e outra vez,
no alto da onda, a alegria voltou.

Os cães latiam sempre na espuma.
Ó noite que desces depressa, ó mar que predomina em tudo,
ó vento na saia da companheira, ó doçura.
Eu tinha prometido voltar mais cedo e me deixei levar.
Passaram as águas noturnas. Veio depois a neblina da madrugada.
Os cães continuavam a latir na espuma e quando raiou o sol
eu ainda corria enlaçado à companheira, trocando
palavras que não sabemos repetir, que nunca mais ouviremos.

Aníbal Machado, "Poemas em prosa"

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