- Eu vou buscar água para você. Enquanto isso, me dá uma mãozinha aqui.
O outro hesitou, Tom insistiu e lhe ofereceu uma bola de gude. Jim ia aceitar, mas tia Polly surgiu, e o negócio não foi adiante. Tom foi de novo caiar a cerca, pensando nas coisas maravilhosas que podia estar fazendo. Logo os outros meninos passariam por ali a caminho de brincadeiras. Iam rir dele. Tinha vontade de sumir. Pensou em tudo o que tinha nos bolsos e que poderia usar para sugerir trocas. Muito pouco. Não ganharia mais de meia hora de liberdade.
De repente, teve uma ideia. Pegou o pincel e voltou ao trabalho. Bem na hora em que apareceu Ben Rogers, o mais gozador de todos. Vinha alegre, com uma maçã na mão, brincando de navio. Apitava, manobrava, fazia os sons do Grande Missouri, o maior barco que navegava pelo rio. O menino era ao mesmo tempo o navio, o capitão e as sinetas. Ao chegar perto de Tom, passou a andar mais devagar.
- Diminuir a velocidade! Parar! Ding-a-ling-ling! Encostar no cais! Piuííí! Parar as máquinas! Chit-chit-chit!
Tom ignorou as manobras de aproximação e a atracação do barco. Continuou entretido com a cerca, dando uns retoques. Ben perguntou:
- Você está de castigo, é? Tem de trabalhar enquanto a gente vai nadar?
- Trabalhar? Como assim?
- Bom, isso que você está fazendo...
- Tudo bem, se acha que é trabalho, pode achar. Eu estou me divertindo.
- Essa não... Para cima de mim? Ninguém gosta disso.
O pincel não parava, para cima e para baixo na tábua.
- Não sei por que não ia gostar. Não é todo dia que um menino tem a chance de pintar uma cerca.
Ben não tinha pensado nisso. Mordeu a maçã, ficou vendo Tom se afastar ligeiramente, pincel na mão, para examinar mais de longe o efeito da pintura.
- Deixa eu pintar um pouquinho, Tom...
- Não posso, Ben. Para pintar bem, precisa ser artista. Tia Polly é muito exigente, você sabe. Se fosse na cerca dos fundos, tudo bem. Mas, aqui na rua, tem de ficar bem feito. Aposto que só um menino entre mil consegue. Talvez um entre dois mil.
- E quem disse que eu não consigo?
- Não sou eu, Ben, é a tia Polly. Jim quis pintar, ela não deixou. Sid também. Tenho medo de que ela se zangue.
- Eu sou cuidadoso, Tom, garanto. Olhe aqui, te dou o final da minha maçã.
De coração contente e expressão relutante, Tom passou o pincel. O “ex-Grande Missouri” ficou suando debaixo do sol enquanto o artista descansava na sombra, sentado num barril, comendo maçã e planejando novos negócios.
Os meninos vinham passando, um a um, paravam para uma gozação, e pronto! Quando Ben cansou, Tom deu uma chance a Billy em troca de uma pipa nova. Depois, Johnny ofereceu um rato morto e ganhou direito de pintar por uma hora. No fim do dia, Tom já estava na maior riqueza – tinha bolas de gude, uma gaita, um pedaço de vidro azul, um carretel, uma chave, um soldadinho de chumbo, um casal de sapos, um gato caolho, uma maçaneta, uma coleira de cachorro (sem cachorro), o cabo de uma faca, quatro cascas de laranja. A cerca estava pintada, com quatro demãos de tinta. Se a tinta não acabasse, Tom levaria à falência todos os meninos da cidade.
- Tia Polly nem acreditou. Um trabalho perfeito. E tão rápido!
- Viu só? Quando quer fazer uma coisa bem-feita, é uma maravilha. Pode ir brincar, você merece. Mas não perca a hora do jantar. E tome um prêmio.
Levou-o até a despensa para ele escolher uma maçã (e pegar uma rosca sem ela notar).
Mark Twain, "As aventuras de Tom Sawyer"
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