domingo, outubro 19

Saudades de Paris


Cada vez que venho a Paris sinto uma curiosa sensação, feita de reminiscências e nostalgia. As lembranças, que fluem como uma torrente, vão substituindo continuamente a cidade real e atual pela que foi e já existe apenas em minha memória, como a minha juventude. Vivi em muitos lugares, e com nenhum outro me ocorre nada parecido. Talvez porque com nenhuma cidade sonhei tanto quando menino, atiçado pelas leituras de Jules Verne, de Alexandre Dumas e de Victor Hugo, e a nenhuma outra eu desejei tanto chegar e ali lançar raízes, convencido como estava, quando adolescente, de que só vivendo em Paris chegaria algum dia a ser um escritor.

Era uma grande ingenuidade, é óbvio, e, no entanto, de algum modo, deu certo. Em uma água-furtada do Wetter Hotel, no Quartier Latin, terminei meu primeiro romance, e, nos quase sete anos que vivi em Paris, publiquei meus primeiros três livros e comecei a me sentir e a funcionar na vida como nada mais e nada menos que um escrevinhador. Na Paris do final dos anos cinquenta e começo dos sessenta, ainda viviam Sartre, Mauriac, Malraux e Camus, e um dia descobri André Breton, de paletó e gravata, comprando peixe no mercadinho da rue de Buci. Uma tarde, na Biblioteca Nacional da época, ao lado da Bolsa, tive como vizinha uma Simone de Beauvoir que não afastava o olhar por um só instante da montanha de livros em que estava meio enterrada. Eram os anos do teatro do absurdo, de Beckett, Ionesco e Adamov, que era visto todas as tardes, com os olhos enlouquecidos, escrevendo furiosamente no terraço do Mabillon.

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