Patricia Castelao |
Saber que as palavras, unindo-se, podiam formar histórias mais longas e ainda mais interessantes que aquelas da cartilha – vovô viu a uva, vovó viu a ave, o bem-te-vi voa – foi tão mágico, tão fascinante, que acabou me fazendo mal, como um veneno: a partir dessa descoberta, passei todos os anos de minha vida ansiando por descobertas iguais. Mas pouquíssimas, depois, se revelaram tão intensas.
Tendo conhecido tão saboroso fruto, era natural que nada me parecesse mais precioso e desejável que voltar a prová-lo, a toda hora, a todo minuto, em todos os momentos, sempre. Para mim, a suprema delícia estava resumida numa palavra de sete letras: leitura.
Comecei a ler com um furor épico, sacrossanto, colossal. Lia gibis, revistas, livros, almanaques daqueles distribuídos em farmácia. Lia livros comprados, ganhos, emprestados. Lia tudo com uma volúpia que nunca mais voltei a sentir por nenhuma outra coisa. Lia de manhã, à tarde, à noite. Lia com boa iluminação, com pouca iluminação, com iluminação nenhuma.
Meu pai, que já andava preocupado, alarmou-se quando um exame determinou que eu deveria usar óculos. Ele só se acalmou ao lhe dizerem que, como toda paixão infantil, a minha não deveria durar mais que um verão.
Mas passou um verão, passaram dois, passaram três e eu continuava apaixonado pelos livros. Quando comecei a levar para casa romances russos, foi a vez de minha mãe, talvez por seu sangue polonês e por alguns ressentimentos históricos, se assustar: aquele menino (eu) corria o risco de ficar louco (não tinha sido escrita por um russo aquela história de um estudante que havia matado uma velhinha a machadadas)?
No curso dessa história, houve um momento em que, em defesa de minha saúde visual e mental, meu pai e minha mãe tentaram a todo custo refrear meu amor aos livros. Mas ele já estava irrevogavelmente arraigado em mim e eu, se pensava em alguma coisa, era em ampliá-lo. Quando eu estava com doze ou treze anos surgiu uma campanha publicitária que acendeu ainda mais minha paixão: juntando-se algumas embalagens do Café Jardim (o mais famoso da época), podia-se trocá-las por um livro. E eu pude, assim, ler vários volumes da coleção Terramarear, aventuras de Tarzan e livros de Emilio Salgari.
Eu não gostava de café tanto quanto gosto hoje. Talvez até, não lembro bem, nem gostasse de café. Mas, se na época houvesse uma eleição do melhor publicitário do Brasil, eu, apesar da idade, seria um sério candidato. A todo instante, fosse noite ou dia, fizesse frio ou calor, eu tinha pronta uma frase que dizia ao meu pai e à minha mãe com meu mais maquiavélico sorriso:
- Vai bem um cafezinho agora, não vai?
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