A decisão de emprestar um livro é, em sua natureza, um gesto de amor à leitura. O prazer de ler é tão grande que precisamos compartilhá-lo. Nada mais frustrante do que terminar uma história incrível e não ter com quem conversar sobre ela. Emprestar um livro é buscar companhia num mundo em que os leitores, infelizmente, ainda são minoria.
Quem é contra o empréstimo de livros costuma ter um argumento forte para justificar sua postura: por mais que confiemos em quem pediu o livro emprestado, há uma enorme chance de que o livro não seja devolvido. O mundo fora da estante é perigoso. Mesmo ambientes aparentemente seguros escondem armadilhas. Já fui vítima de uma delas. Pouco depois do lançamento de A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan, deixei meu exemplar com um colega de trabalho. Ele gostou tanto do romance quanto eu. Animados com a nossa conversa, outros colegas se interessaram pela obra. O livro passou de mão em mãos eu o perdi de vista. Não posso dizer que o revés foi inesperado. Outros livros tiveram um destino parecido. Continuo a emprestar livros, mesmo correndo o risco de perdê-los. Gosto de saber que meu exemplar de A visita cruel do tempo foi parar nas mãos de um leitor misterioso, em vez de acumular poeira em minha estante.
Como eu, muitos outros leitores ignoram os avisos dos pessimistas e marcham adiante para compartilhar suas leituras. É aí que surge outro risco: tornar-se um emprestador compulsivo. Tenho um amigo com esse problema. Uma vez, lembro-me de ter contado, em minha estante, três livros dele. Um deles foi emprestado antes mesmo que ele terminasse de ler, tamanha sua vontade de compartilhar suas leituras. Não o julgo. Já fui um emprestador compulsivo. Muitos dos livros que desapareceram da minha estante foram livros que eu insisti em emprestar para leitores não muito empolgados. Entre a vergonha de devolver o livro sem lê-lo e a cara de pau de ficar com o livro e jamais tocar no assunto novamente, escolheram a segunda opção. Eu os perdoo. Jamais esperaria que lessem o livro por obrigação.
Entre o egoísmo e o desapego exagerado, há uma terceira via: a troca. Foi a maneira que encontrei para acalmar meu amigo emprestador compulsivo. Numa das vezes em que ele me perguntou se eu já tinha lido as dezenas de livros que ele me emprestara, conversamos sobre um autor que ele não conhecia. No dia seguinte, deixei um livro em cima da mesa dele. A dívida passou a ser mútua, sem riscos de esquecimento. O máximo que pode acontecer é que a troca se torne definitiva - e, mesmo assim, nenhum de nós se sentirá lesado.
Adotei a mesma prática para outros empréstimos de livro. Se alguém me empresta algo, dou um jeito de sugerir uma nova leitura e retribuir o favor imediatamente. Se alguém me pede um livro emprestado, procuro saber se a pessoa tem algum livro que me interesse em sua estante e peço para lê-lo.
Graças à segurança que essas trocas proporcionam, passei a emprestar ainda mais livros, muitas vezes em circunstâncias em que a devolução é improvável. Na semana passada, um amigo embarcou para o Japão sem data para voltar. Levou na bagagem dele meu exemplar de A casa das belas adormecidas, de Yasunari Kawabata. Na minha situação, muitos leitores se desesperariam. Eu estou tranquilo: para compensar a viagem incerta do Kawabata, peguei emprestado um exemplar de Minha querida Sputnik, de Haruki Murakami. Se nos reencontrarmos em alguns anos para destrocar os livros, terei uma boa história para contar – e um argumento irrefutável para convencer quem é contra o empréstimo de livros. Se meu amigo ficar no Japão com o Kawabata, o Murakami me fará companhia, e meu livro terá feito uma bela viagem. Não haverá motivo algum para lamentar a perda. Emprestar um livro é despedir-se dele.
Danilo Venticinque
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