quinta-feira, junho 4

Últimos suspiros de amor em tempos digitais

Meu anjo;

Antes de me tachar de ridículo, saudosista ou espécie em extinção, suplico que leia esta carta até o fim. Depois, lhe darei a suprema liberdade de amassá-la ou reciclá-la ou, quem sabe, guardá-la para o dia em que eu não mais existir. Estranho, confesso, ter aguardado uma senha no velho correio para enviar essas palavras escritas à mão em caprichado papel e colorido envelope. É que escrever, para mim, ainda é um ritual de exalar sentimentos e de usar a magia das emoções.
Minha mão desliza em letra cursiva na velocidade em que o afeto flui. Não consigo digitar pensamentos e desejos, assim como telas tornam banais energias tão sagradas como a paixão e o amor. Sim, dá um trabalho delicioso pegar uma caneta, sentir saudades, expressar o que me vai no coração e na alma. Sem contar ter de ir ao correio, aguardar na fila e receber um olhar admirado e compreensivo da funcionária. Achei muito legal ter aberto um grupo de WhatsApp e lembrado de me incluir, já que as tentativas no Face e no Twitter foram frustrantes pelo meu jeito monástico e troglodita. Mas não caibo em tais grupos, pois privacidade, intimidade e segredos guardados a sete chaves são coisas sagradas. Se antes virtudes, reconheço que hoje são quase como não existir.

Se lhe escrevo é para me aproximar de você, dizer o quanto pulsa o amor que, ainda que distante, vibra na velocidade da luz. Em um tempo sem tempo pra nada, em um mundo em que redes sociais isolam o calor da presença, registro que estou bem aqui do seu lado. Lento e confuso para lidar com tantos toques em teclados ou telas, desajeitado para usar tantos aplicativos e sem uma selfie para contar história, tenho um ombro amigo, um colo para momentos angustiantes, um cafuné para desacelerar sua mente hiperativa. Carinho presencial em uma selva de carências. Acredite: faz bem para a saúde o toque ungido de sentimento, o olhar úmido de emoção, o ouvido para escutar lamentos e frustrações.

Amar transcende definições, é algo que emerge de sensações sublimes, como o aconchegante silêncio de um abraço e a ternura de uma poesia transcrita em guardanapo de bar. Para os nativos da ecologia, amar se expressa no partilhar do pôr do sol, na visão do mar que hipnotiza. Ou quem sabe em ouvir uma música que nos remeta a tempos de alegria e ingenuidade, em longas viagens repletas de casos engraçados, lições de vida, com um lanche no restaurante mais delicioso e charmoso do percurso. Amor é coisa esquisita, pois bate no peito, vira saudade na presença de quem amamos e sobe para a mente, onde faz vibrar todo o corpo. Inenarrável e indescritível. Ama-se e pronto!

Não me xingue se o celular der na caixa-postal, se e-mails demorarem a ter resposta ou por ter alergia a WhatsApp. Basta nos vermos, olhos nos olhos, em uma troca de energia afetiva, para que todo afeto e amor transborde na sua presença, ainda que rara em tempos de correria e desencontros. Não é preciso GPS, nem formalidades. Moramos no mesmo endereço de sempre, mas estranhamente estamos cada vez mais distantes e longínquos.

Amor não se demarca no tempo e espaço; é adimensional e eterno. Por isso é que te amo. Simples assim. Trilhei a forma mais difícil para te surpreender, por meio desta carta povoada de palavras completas e com alma, pois o raro é que determina o valor das coisas. Sou órfão do universo virtual, como te disse. A magia e alquimia exigem elementos de uma tabela periódica. Sou do tempo que em a nuvem virava pintura clássica ou, tingida de mil cores, emocionava quem via o horizonte que caía nos fins de tarde. Hoje é um infinito de dígitos, manipulado por quem é dono de nossas vidas virtuais. Estou, sim, fora de moda. Sou da época em que existia céu à noite e sabíamos a fase da lua. Antes de virar ermitão, saiba que sempre te amarei. Sem pressa, sem máquina, sem complicação.

Seu pós-romântico,
Eduardo.

PS: Dedicado às minhas três filhas. Que nunca percam a pureza da vida, pois ingenuidade atualmente é só para recém-nascidos.

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