A dúvida, a falta de confiança em si mesmo e a paranoia podem ser um vírus corrosivo e destrutivo. Acrescente-se um toque de voyeurismo, um crime e a solidão que invade cada cidadão de uma cidade e teremos algo no mínimo inquietante. Paula Hawkins sabe disso e construiu a partir daí a receita do sucesso editorial. A autora de "A garota no trem" (Ed. Record) conversou com o EL PAÍS em um trem a caminho de Barcelona.
Hawkins responde com frases curtas, sorri e se vale de um olhar sedutor para exigir atenção. A autora britânica fala de forma direta e conclusiva, e não se importa em reconhecer que continua de certo modo na esteira do fenômeno de Gillian Flynn, Garota Exemplar. Aos poucos, vai soltando pequenas confissões que mostram que escreveu essa novela de forma mais visceral do que está disposta a reconhecer. Assim como Flynn, as mulheres de Hawkins não são atacadas por psicopatas, por mentes criminosas perfeitas e maquiavélicas, mas por pessoas de sua família, de seu entorno. “Escrevemos assim porque é o que acontece na realidade. É completamente realista”, afirma para falar do subgênero que está arrasando.
A garota no trem é a história de Rachel, uma quarentona fracassada, que tem certo gosto pelo vinho e pelo gim tônica no café-da-manhã, que é separada e viaja todo dia para Londres para fingir que continua trabalhando. Em sua miserável existência constrói uma vida ideal para um casal que vê da janela quando o trem para todo dia no mesmo ponto, de segunda a sexta, às 8:04. Um dia, acredita ter visto algo estranho, mas não sabe se pode confiar em si mesma, contaminada pela paranoia e pela frustração, além do álcool, que lhe provoca terríveis perdas de memória. Essa dúvida se transforma no eixo da trama. “Se você não se lembra do que fez, seu senso de responsabilidade e de culpa mudam por completo. Não lembrar com quem se falou é algo aterrorizante, inclusive se não aconteceu nada ruim, porque você não sabe”.
O livro é um fenômeno mundial, a melhor estreia em capa dura da história do negócio, superando O símbolo perdido, quinto romance de Dan Brown. Foi o líder de vendas nos Estados Unidos por 19 semanas. Hawkins fala disso com a tranquilidade de quem se sabe a salvo. Seus quatro romances anteriores, escritos com pseudônimo e de temática romântica, tinham sido um fracasso e ela estava em uma delicada situação financeira e profissional. “Sempre quis escrever um thriller e disse para mim mesma: ‘Tenho que fazer isso agora, porque se não funcionar vou ter de procurar um trabalho de verdade’”, conta, divertida. Antes da literatura, foi jornalista free lancer no The Times de Londres, escrevendo sobre a realidade financeira nos piores momentos da crise. “Não voltaria nem amarrada. Não, obrigada. Já foi o suficiente”, afirma sorrindo pela primeira vez.
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