domingo, julho 26

O leitor multimídia

Há alguns anos gravei um audiobook lendo “Vale tudo — O som e a fúria de Tim Maia" e vislumbrei novas possibilidades de formatos multimídia. Se em vez de apenas um narrador, tivéssemos também as músicas, os vídeos, as fotos, os documentos, no momento em que eles são mencionados na narrativa, seria muito melhor.

Melhor ainda se tivéssemos ruídos, de rua, de festas, de brigas, tiros, e uma trilha sonora instrumental pontuando as ações. E vozes de atores lendo as falas dos personagens. Mas logo desanimei: estava inventando o radioteatro com um século de atraso...


Mas lendo o romance “As mulheres do meu pai", de José Eduardo Agualusa, um vibrante road-livro sobre mulheres e música que percorre o sul da África, com suas cidades e suas praias, sua cultura ancestral e seu presente conturbado, várias vezes parei de ler para abrir o Google Image e ver os cenários naturais e urbanos da história.

Não que a narrativa de Agualusa seja insuficiente; ela instiga o bastante para tocar a história para frente, sem gastar palavras para descrever locações como o fabuloso Hotel Polana, em Maputo, capital de Moçambique, por onde passa a equipe que está fazendo um documentário sobre o lendário músico angolano Faustino Manso, suas sete mulheres e dezoito filhos.

Quanta beleza e surpresa nos cenários de Angola, Moçambique e África do Sul, onde se desenvolve a ficção de Agualusa, uma teia de encontros e desencontros de novos portugueses de origem africana em busca de suas raízes, de africanos modernos em busca do futuro, de paixões e acasos se entrelaçando nas ruas perigosas de Luanda, Maputo e Cape Town.

Claro que o livro tem o mesmo valor literário sem as imagens que vi, em detalhes, ampliadas, e sem as músicas do Duo Ouro Negro que ouvi no You Tube, o primeiro grande sucesso internacional da África Negra nos anos 50, em que Agualusa se inspirou para criar Faustino Manso. Mas ler a história ouvindo aquelas músicas e vendo aqueles cenários maravilhosos, além do que o leitor cria em sua cabeça, é uma nova e deliciosa forma de ler na era digital. E talvez gere uma nova forma de escrever.

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