Quando minha primeira editora já tinha crescido o suficiente, passamos a ter reuniões de board, onde discutíamos que livros deveríamos (ou poderíamos) lançar. Lembro-me da vez em que propus um título e fui rechaçado por uma sócia, que pontificou:
— Não fazemos livros pro leitor! Fazemos livros para as (redes de livraria) X, Y, Z!
Aquele argumento vem ressonando na minha cabeça desde então. Não é uma mera discussão filosófica sobre se nossas narrativas são feitas para entreter gente ou CNPJs. Definir para quem se faz um produto implica em mudar a seleção, o desenho, a comunicação. Fazer livros pensando na livraria talvez seja fazer do meio o fim.
Falando nisso, preciso deixar aqui um agradecimento à Livraria Francesa, a Entrelivros, a Curió e a José Olympio. Com elas comecei a formar minha biblioteca, quando eu era estudante. No fim dos anos 1980, eu só conseguia comprar livros lá. Todas ofereciam grandes descontos, e por uma razão: estavam lutando para não fechar. Fecharam. Estudantes de hoje podem fazer o que eu fiz e começar suas bibliotecas na liquidação da Livraria Da Vinci, ou da Horus. Por sinal, uma das redes que minha sócia citou aí em cima também fechou.
O fato incontornável é que há cada vez menos livrarias (tirando exceções que provam a regra). O nível brasileiro de leitura continua vexaminoso. Estes dois sintomas apressaram uma “solução” que vinha em discussão há décadas. Entrará em votação o PL 49/2015, na intimidade, “Lei do Preço Fixo”. Em resumo, ela limita a 10% os descontos para os livros no primeiro ano de lançamento. O argumento é que, sem concorrência abusiva, as livrarias menores podem se manter em pé.
O PL do Preço Fixo é filha da Lei Lang francesa, de 1981. Esta também estipulava um desconto máximo para livros recém lançados e deve ter ajudado a manter a invejável bibliodiversidade de Paris. É digno de nota que a redação original também estipulava que os editores não poderiam dar condições (muito) diferentes para clientes diferentes. Isto é, o desconto dado às redes deveria ser igual ao dado às pequenas livrarias. Esta cláusula, “americana” demais para o gosto francês, caiu em 1985 mas talvez esteja no Projeto de Lei brasileiro — se é que é isso que quer dizer o empolado art. 12 § 1, que veda “praticar a editora ou importadora tratamento não isonômico ao comerciante livreiro, ao atacadista ou ao distribuidor no que tange o preço de venda e demais condições de pagamento de obras editoriais independentemente da demanda”.
No ano passado a “Loi du Prix Unique” ganhou uma emenda, que ficou conhecida por “Lei Anti-Amazon”. Ela determina que as livrarias online não podem oferecer o serviço de entrega de graça.
Talvez não seja a Amazon, esses tártaros que estão eternamente por vir, a grande ameaça que o PL quer anular. “Precisamos regular o varejo. Não acho justa a competição com a internet”, explicitou o presidente do SNEL, Marcos Pereira. Hoje a comparação de preços está à distância de um clique e há livrarias virtuais que praticam descontos que beiram o dumping. Isto é inegável e deve afetar o mercado das livrarias virtuais. Porém isso de fato prejudica as tais “pequenas livrarias” que o projeto quer proteger e que só têm operação offline, na rua? Quem já frequenta as boas livrarias trocaria este prazer por alguns reais de desconto? E à avassaladora maioria dos brasileiros, que não têm uma livraria a alcance dos pés (ou do ônibus), só restará a opção de pagar mais?
Há um certo “wishful thinking” por trás da justificativa do PL: “a fixação do preço do livro (em lançamento) visa garantir que a oferta de livros seja acessível ao grande público, através do estímulo à existência de um maior número de pontos de venda”. Em outras palavras, espera-se, ao arrepio da teoria econômica, que o aumento da oferta estimule a demanda. E inelasticamente.
Se o “Preço Fixo” de que trata a lei for, como está, afixado bem acima do que pode o leitor brasileiro, a lei será eficiente, mas nada eficaz. Manterá as livrarias aberta, mas vazias.
Um mercado não funciona na base da boa vontade. A complicada equação econômica do livro não se resolve por decreto. Se todos queremos chegar ao resultado de “mais leitores”, é preciso computar mais variáveis que apenas “preço de capa” e “livrarias”. Falta equacionar “governo”, falta “educação”, e falta sobretudo “editoras”.
Leia mais o artigo de Julio Silveira
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