O filme sobre Jesus Cristo na Sexta-Feira da Paixão era o que mais me deixava triste. Saía do cinema cabisbaixo, inconformado com a traição de Judas, que entregou Jesus aos soldados para que fosse crucificado. Os desenhos de Walt Disney encantavam gente pequena e grande. O cinema partia-se em gargalhadas com as cenas engraçadas de Oscarito, Grande Otelo, Cantiflas, o genial Carlitos e a dupla O Gordo e o Magro. Filme de bangue-bangue só prestava se o xerife fosse John Wayne, Roy Rogers ou Randolph Scot. Meninos trocavam revistas em quadrinhos e figurinhas para o álbum dos ídolos no passeio do cinema. Tarzan, Fantasma, Capitão Marvel, Batman, Príncipe Submarino, Tocha Humana, Flash Gordon, Mandrake e Super-Homem renderam-me uma porção de sonhos bonitos.
Lance que empolgava qualquer menino vidrado em fita de bangue-bangue era quando a cena mostrava o mocinho no seu cavalo ligeiro perseguindo os bandidos que acabavam de roubar o banco. Acuados, os bandidos procuravam salvar a pele e se escondiam por trás das pedras no morro. Acontecia troca de tiros, os bandidos iam caindo, um a um, atingidos por cada balaço. Já em outra cena eletrizante, o mocinho defendia-se com golpes ágeis, e, ao mesmo tempo, desferia socos potentes no chefe dos bandidos. O vilão ia sempre para o xadrez na matinê do domingo. O mundo era só canção. O bem vencia o mal. A vida era doçura pura no arco do triunfo. O mocinho beijava a mocinha no final, arrancando da plateia aquela ovação sem igual.
A fita mais obscena que passou no dia em que o cinema ficou mais cheio não foi a mais obscena. O juiz, o promotor, o escrivão e o delegado iam assistir “Só para Homens”. O juiz havia prometido ao Cristo pendurado na parede do gabinete que ia lavrar o flagrante e prender o dono do cinema, caso ficasse provado que a fita atentava contra os bons costumes e ultrajava o pudor público.
Houve apenas uma exibição da fita. A sessão começou à meia-noite. Ouvi dizer no outro dia pelo homem que consertava bicicleta que nunca o cinema coubera tantos homens importantes. Alguns entravam no cinema desconfiados, outros de fisionomia fechada. Os chefes de família procuraram disfarçar a saída para a rua àquela hora da noite. Seu Onofre, o dono da padaria, disse à esposa que ia para uma reunião extraordinária do partido político. Seu Abdias, o diretor do colégio, jurou que fora convocado para uma reunião na loja maçônica. Era o preço que pagava por integrar uma instituição que exigia de seus filiados o cumprimento das normas estatutárias a qualquer hora. E seu Toledo, um velho comerciante, conhecido pela austeridade dos princípios morais, informou à dedicada e fiel esposa que ia fazer no domingo o balanço mensal da loja, com um movimento de vendas surpreendente em fevereiro. Pediu à esposa que não esperasse por ele cedo, podia varar a madrugada até que contabilizasse todo o movimento do caixa no mês.
Duda, o chefe da turma de minha rua, me disse que “Só Para Homens” não passava de um documentário científico sobre a evolução sexual. Mostrava a relação sexual de homem e mulher na cama, numa cena rápida e meio encoberta, como também o ciclo da gestação e a hora do parto. Era só isso e nada mais. Uma droga de fita. O dono do cinema devia devolver o dinheiro caro do ingresso, bradou o gerente do banco do estado, que fez um grande esforço para ver a fita. Duda contou-me que ele saiu da cama de mansinho, aproveitando a esposa ferrada no sono, e, minutos depois, atravessou a rua em silêncio, protegido numa capa de chuva, cachecol no pescoço e guarda-chuva aberto. Usava óculos escuros, boné axadrezado, uma lanterna acesa que clareava as pedras no escuro da noite, querendo passar por um detetive.
Não sei como ele soube dessas informações sobre a fita. Mas o que é que menino esperto não consegue saber ou descobrir neste mundo, principalmente quando se trata de coisa proibida que se passa entre os adultos?
Cyro de Mattos
Lance que empolgava qualquer menino vidrado em fita de bangue-bangue era quando a cena mostrava o mocinho no seu cavalo ligeiro perseguindo os bandidos que acabavam de roubar o banco. Acuados, os bandidos procuravam salvar a pele e se escondiam por trás das pedras no morro. Acontecia troca de tiros, os bandidos iam caindo, um a um, atingidos por cada balaço. Já em outra cena eletrizante, o mocinho defendia-se com golpes ágeis, e, ao mesmo tempo, desferia socos potentes no chefe dos bandidos. O vilão ia sempre para o xadrez na matinê do domingo. O mundo era só canção. O bem vencia o mal. A vida era doçura pura no arco do triunfo. O mocinho beijava a mocinha no final, arrancando da plateia aquela ovação sem igual.
A fita mais obscena que passou no dia em que o cinema ficou mais cheio não foi a mais obscena. O juiz, o promotor, o escrivão e o delegado iam assistir “Só para Homens”. O juiz havia prometido ao Cristo pendurado na parede do gabinete que ia lavrar o flagrante e prender o dono do cinema, caso ficasse provado que a fita atentava contra os bons costumes e ultrajava o pudor público.
Houve apenas uma exibição da fita. A sessão começou à meia-noite. Ouvi dizer no outro dia pelo homem que consertava bicicleta que nunca o cinema coubera tantos homens importantes. Alguns entravam no cinema desconfiados, outros de fisionomia fechada. Os chefes de família procuraram disfarçar a saída para a rua àquela hora da noite. Seu Onofre, o dono da padaria, disse à esposa que ia para uma reunião extraordinária do partido político. Seu Abdias, o diretor do colégio, jurou que fora convocado para uma reunião na loja maçônica. Era o preço que pagava por integrar uma instituição que exigia de seus filiados o cumprimento das normas estatutárias a qualquer hora. E seu Toledo, um velho comerciante, conhecido pela austeridade dos princípios morais, informou à dedicada e fiel esposa que ia fazer no domingo o balanço mensal da loja, com um movimento de vendas surpreendente em fevereiro. Pediu à esposa que não esperasse por ele cedo, podia varar a madrugada até que contabilizasse todo o movimento do caixa no mês.
Duda, o chefe da turma de minha rua, me disse que “Só Para Homens” não passava de um documentário científico sobre a evolução sexual. Mostrava a relação sexual de homem e mulher na cama, numa cena rápida e meio encoberta, como também o ciclo da gestação e a hora do parto. Era só isso e nada mais. Uma droga de fita. O dono do cinema devia devolver o dinheiro caro do ingresso, bradou o gerente do banco do estado, que fez um grande esforço para ver a fita. Duda contou-me que ele saiu da cama de mansinho, aproveitando a esposa ferrada no sono, e, minutos depois, atravessou a rua em silêncio, protegido numa capa de chuva, cachecol no pescoço e guarda-chuva aberto. Usava óculos escuros, boné axadrezado, uma lanterna acesa que clareava as pedras no escuro da noite, querendo passar por um detetive.
Não sei como ele soube dessas informações sobre a fita. Mas o que é que menino esperto não consegue saber ou descobrir neste mundo, principalmente quando se trata de coisa proibida que se passa entre os adultos?
Cyro de Mattos
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