É como uma bela mulher, que sofre de mau hálito. Tão bela e rejeitada!
Hoje, por exemplo, a lagoa acordou mais linda que nunca. O vento, de asas soltas, voando alto, desce depois crispando a crista de suas águas. Os pássaros a sobrevoá-la felizes e embriagados de luz e liberdade. As borboletas em seu tonto esvoaçar, de folha em folha, ao mato ralo das margens. E alguns jovens namorados, que faltaram às aulas, passeando de mãos dadas na calçada em frente ao morro da Catacumba. A lagoa acordou de boa boca.
Viva Deus! Não sei de lugar mais bonito, em toda esta cidade. Vim descobri-lo tarde, mas certamente só o deixarei quando me mudar de vez para Petrópolis. A lagoa, de manhã, sua primeira água é cinza. Um cinza bem fosco. Ao meio-dia, reverdece aquele verde de "piperment". Às duas, começa a azular-se. E se acinzenta, outra vez, na agonia da tarde, na hora em que as meninas do orfanato rezam suas rebeldes ave-marias. Depois enegrece, some e só volta no dia seguinte bem cedinho, no cio luminoso da manhã, quando é despertada pela sadia algazarra dos remadores do Vasco.
À beira da lagoa moram os homens mais ricos e os homens mais pobres da cidade. As mulheres mais saudáveis e as mais doentes. As crianças mais bem vestidas e as mais nuas. Tudo os intriga e separa. A desdita exagerada dos pobres atinge o estado de graça dos ricos. A prosperidade extralimitada dos ricos faz mal à fome dos favelados do morro da Catacumba. Só uma coisa os une: a lagoa, que todos gostam de olhar, com a mesma humildade, o mesmo consolo e o mesmo enlevo, a mesma fortuna. Só a beleza nivela os homens economicamente desnivelados.
Se Deus fosse menos rancoroso, recitaria um remédio de bochechar para o hálito da lagoa.
Antônio Maria
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